Cap II

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Pequenos focos de luz... era o que conseguia ver. Aos poucos os focos tomaram formas que me relevaram uma parede de madeira, encarei aquele lugar tentando recorda-me do que havia acontecido. Uma forte dor de cabeça me invade, levo minha mão até minha testa e sinto um curativo no lugar da dor, meus olhos pesam novamente, mas eu não poderia fecha-los, eu precisava saber onde estava e o que estava acontecendo ali, reuni minhas forças e me levantei, olhei ao redor, estava numa sala, um escritório talvez. Não reconhecia aquele lugar. Forcei meus pés sobre o chão e me levantei, minha visão se tornou turva e senti-me bater contra o chão frio.

            -Por favor volte para o sofá! Você ainda não está em condições de se levantar - Uma voz ecoou pelo local, virei-me afim de encontrar de onde a voz saia, mas não encontrei ninguém. - Por favor dessa forma você pode acabar piorando sua situação. Sinto um toque em meu braço, uma mão me puxa para o sofá e eu me sento. A pessoa se afasta e vejo que havia alguém sentando atrás de uma mesa com os olhos fixos num livro, os olhos se voltaram para mim e eu os encarei.
            -Quem é você? - Consegui dizer algo, minha boca estava seca e minha visão voltava aos poucos, só enxergava os olhos castanhos por trás dos óculos de leitura fixados em mim.
            -Como se sente? - A voz grave soou novamente.
            -Com enxaqueca eu acho, o que aconteceu?
            -A nevasca não me permitiu vê-la... e parece que você também não conseguiu ver uma caminhonete indo ao seu encontro, por sorte eu andava devagar, você feriu a cabeça, nada grave, um curativo para conter o sangue e alguns analgésicos vão te fazer ficar bem logo, logo. 

Escutava sua voz e aos poucos me lembrava do ocorrido.

            -Merda! - Levo minha mão até a cabeça - Você me atropelou? Grande dia Aisha, grande dia... - Me levanto já um pouco melhor -Então onde estou? E você ainda não me disse seu nome...

-Você está há 3km da cidade, no meu escritório, no anexo da minha sala de estar.

-Huum - encarei o lugar, sentia o olhar dele queimar sobre mim, devo dizer que não estava confortável com a situação, mas por algum motivo aquele homem me intrigava. Seus olhares alternavam entre mim e um livro velho.

-Aisha.. - O encarei, não moro muito longe de onde você me atropelou- Sorrio de canto- Sobrou algo da minha bicicleta? Sabe... preciso dela para voltar para casa.

-Aisha... eu não te atropelei, não propositalmente. - Ele sorri também. Um sorriso curto e pequeno, o contorno de seus lábios e sua barba bem feita eram um conjunto em tanto para se admirar, julgo que devia ter entre os 25, 26 anos.

-Ninguém atropela uma pessoa propositalmente! - O encarei.

Ele me encarou erguendo uma sobrancelha.

-humpf- encolhi os ombros e ergui uma sobrancelha imitando-o- Então?

-O que? Ele me encarou sério. E pairou um silêncio sobre a sala, eu podia ver que ele me olhava de uma forma estranha, parecia muito sério, impenetrável como uma muralha e com um sorriso irônico em seus lábios. 

Senti minhas bochechas queimarem, algo que eu não sentia a muito tempo, se é que eu conseguia sentir algo assim.

-Onde está minha bicicleta?

-Bem, ele apontou para a uma porta. Ali, está na garagem, mas a roda da frente não está lá muito bem, pedirei que levem você para que possa voltar em segurança, essa bicicleta não vai aguentar todo o percurso de volta. Ele não parecia muito preocupado agora que já me via bem.

Eu deveria ligar para os meus pais, mas àquela altura eles iriam surtar antes que eu me explicasse o que aconteceu.

            -Tudo bem... não devo ter outra escolha mesmo.

Uma mulher se aproximou, teria entre os 40, 45 anos. Me encarou, estava com um copo de água na mão e um comprimido. A encarei de volta com certo receio, não sei se deveria tomar um remédio da mão de uma estranha, mas naquela altura a minha cabeça doía tanto que era difícil pensar. Tomei o remédio e bebi toda a água do copo.

            -Ela vai te levar em casa, espero que você se recupere logo. Sinto pelo ocorrido. Ele diz me encarando e depois retorna o olhar para o livro.

Duvido que ele realmente sinta mesmo, mas fazer o que, só queria ir para a casa depois de tudo o que aconteceu eu gostaria de não mais esbarrar com ele ou com uma caminhonete outra vez, sorri ao imaginar que talvez esbarrar com uma caminhonete não era uma boa ideia.

            -Do que está sorrindo- Seus olhos curiosos por cima de seus óculos tornaram a me encarar.

            -De nada! – Digo sumindo com meu sorriso e me voltando para a mulher- Vamos? Ela não me respondeu, apenas caminhou para fora. Ele sorriu. Eu não entendi, apenas a segui.

            -Adeus, até nunca se tudo ocorrer bem – Talvez aquele charme me fizesse falta, mas provavelmente não.

            -Adeus Aisha. Ele se voltou para o livro. Aisha? Ouvi ele dizer baixo para si mesmo, como se meu nome estranho pudesse significar algo, continuei caminhando.

Haviam dois carros na garagem, a caminhonete de ontem e um carro do qual não conheço, porque não entendo nem um pouco de carros, mas era prateado e muito bonito, simples, mas bem organizado e limpo. Entrei e coloquei o cinto.

A viagem foi silenciosa, muito mesmo, a mulher não falou uma só palavra, o que no início me incomodou, mas que se tornou ótimo, não gostava de ser sociável e ter que manter algum assunto para mim era complicado. Ela parecia saber onde me levar, mas quando chegou logo depois da curva (Onde havia sido atropelada) ela se virou para mim, entendi que gostaria que eu a guiasse.

Era tarde, poucas luzes estavam acesas em minha casa, apontei para a mesma e soltei o cinto.

            -Obrigada! Desci do carro e caminhei até o portão.

Subi o mais rápido que pude, minha mãe estava no quarto e meu pai assistia alguma série na tv.

            -Onde estava? Ele disse e eu parei de costas subindo as escadas.

            -Com o Eric, claro. Terminei de subir e entrei no meu quarto fechando a porta. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para Eric.

"Se meus pais perguntarem, foi ótimo passar a noite na sua casa, sua mãe realmente cozinha bem"

Eric era uma das poucas pessoas que conseguiu e consegue até hoje enxergar o mundo com minhas lentes, desde sempre, sem questionar e sem me abandonar, era meu amigo, mais que isso, era minha família.

"Ah, foi ótimo passar essa tarde com você Sia"

Sorrio com sua mensagem de resposta e me dirijo ao banheiro. A água quente me ajudava a relaxar, a dor estava passando, fecho os olhos e deixo que a agua caia sobre mim. Em meus pensamentos um rosto novo surge. Droga! ele não havia me dito seu nome, mas que merda eu não posso estar pensando no homem que me atropelou, sério Aisha isso é estranho demais, até para você. Mas era mesmo, era estranho como algo nessa cidade podia ser interessante, mesmo atingindo garotas com sua caminhonete, sorrio sozinha.
Eram poucos os momentos que eu sorria assim.

Não sentia fome então resolvi me deitar, a noite passou lentamente e dormir parecia algo que meu cérebro se recusava a fazer. Fiquei acordada presa em meus pensamentos, até que meu celular me trouxe de volta a realidade. Puta merda não acredito que já é de manhã...

The doctorOnde histórias criam vida. Descubra agora