Capítulo 1

1.7K 140 18
                                    

Desde que me lembro somos eu e Ae Ra, nós dois contra o mundo. Não que eu tenha vívido por muito tempo, mas cinco anos é tempo o bastante para um gato.

Me lembro quando ainda era uma bolinha de pelos, sozinho deixado de lado em uma caixa de papelão qualquer no meio de pessoas que passavam e se limitavam a olhar e ir em bora. Todos os meus irmãos que estavam junto de mim haviam sido levados, no entanto ninguém parecia querer o filhote mais lindo e sofisticado daquela ninhada solitária.

Eu miei para cada um que passou por mim, mas ninguém me ouvia. Mal nasci e já não tenho voz, o mundo me pareceu um lugar terrível. Então Ae Ra passou por mim e eu mudei um pouco minha visão pessimista.

A única dentre aqueles seres tão estranhos que decidiu me dar um pouquinho de atenção. Em sua aparência ela é como eles, anda sobre duas pernas e não tem pelos pelo o corpo com exceção da cabeça, Ae Ra tinha seu pelo tão escuro e negro quanto o meu e acho que foi o que nos identificou. Tudo bem eu confesso, não sei o que fiz para conquistá-la, mas funcionou.

Ela me pegou em seus braços e me ergueu na altura dos seus grandes olhos e eu me encantei por ela naquele momento. Cheirava a flores e livros velhos.

— Quem é o pretinho mais lindo do mundo todo? — no fim ela me conquistou, porque é claro que esse posto é meu. — Gostaria de ir para casa comigo?

Não sabia o que isso queria dizer. Casa? Esperava que fosse algo bom e tivesse comida pois estava faminto.

Então Ae Ra me levou com ela para uma espécie de máquina que ela chamou de carro e eu esperei que ela comprasse o que ela tinha de comprar. Me recordo que naquele dia havia começado a cair uma forte chuva e eu só queria que e ela voltasse logo, porque eu insistia em achar que havia ido embora e não voltaria, até eu me distrair com as grossas gotas de água que caiam pela rua. Era tão bonito que não percebi quando Ae Ra voltou.

— Gosta da chuva? — ela me perguntou, mas eu não sabia como responder. Ela me entenderia? — Parece que sim, hum... Que tal eu te chamar de Rainy? Parece um bom nome para mim.

Rainy? Soou tão engraçado, mas eu gostei. Desde então eu atendo por esse nome e vivo com essa humana. Ela me levou para a tal “casa” e eu achei confortável, com certeza conseguiria viver naquele lugar quentinho e aconchegante.

Foi o que eu fiz.

Foram noites e mais noites em sua companhia, Ae Ra conversava comigo como se eu pudesse respondê-la e eu ficava feliz em ouvir. Bastava nos sentarmos em frente à uma das janelas e eu ouvia ela falar por horas ou ela ligar aquele aparelho mágico chamado televisão que ficávamos vendo filmes a noite toda.

Depois de quase uma semana sozinho, com fome e assustado ela me encontrou. Eu ganhei uma casa, uma cama, comida na mesa e uma humana maravilhosa que cuida muito bem de mim eu não poderia querer mais nada além da vida mansa que eu levava.

E a vida seguia maravilhosa desse jeito. Nós dois vivendo em nosso pedacinho do paraíso, aquele lugar quieto que cheirava como a Ae Ra — Flores e livros velhos. — Nada podia estragar nosso momento de paz, quando ela abria um de seus livros e eu pulava em seu colo, buscando aconchego, aquilo sim era o que chamavam de paz.

Pelo menos eu achava que nada podia estragar.

O barulho de algo se quebrando no corredor seguido de um xingamento me assustou, assim como Ae Ra que fechou o livro e me tirou de seu colo numa velocidade questionável.

Ela sempre foi curiosa. No fim eu sempre acabo indo atrás dela e dessa vez não foi diferente. Antes que eu percebesse já estava indo em direção a porta, a seguindo para investigar o som do lado de fora.

A porta é destrancada e faço questão de sair antes de Ae Ra. Não adiantou muito, ela saiu correndo na direção do humano que tentava, sem sucesso, juntar os cacos espalhados no chão.

— Quer Ajuda? — ela diz se abaixando ao lado dele, que não respondeu e ficou apenas a encarando.

Mesmo sem uma resposta ela o ajuda com o vidro estilhaçado no chão.

Não consigo ver o rosto do humano direito por culpa do negócio que ele usa na cabeça, aquilo esconde quase todo o seu rosto, mas eu diria que ele e Ae Ra tem a mesma idade. Eles apenas... Se parecem? Não sei como definir.

Os dois se levantam e ele agradece a ajuda. O humano passou mais tempo que o normal encarando o sorriso de Ae Ra, que estava agindo estranho, muito estranho mesmo.

Ele fazia ela parecer pequena e apesar de eu definir os dois como parecidos há várias coisas que os difere. Enquanto Ae Ra tinha a pele branca como leite, a dele se assemelhava com os caramelos que ela tanto amava comer no fim da noite. Seus traços eram mais marcados que os dela — seria uma característica dos machos? — Seus olhos eram menores, mais puxados e apesar de eu preferir manter distância por cautela, no fundo eu sabia que ele não causaria nenhum mal, algo me dizia isso.

— Eu te conheço. — Sua voz soa animada e eu apenas tento entender essa euforia repentina. — Você é a moça da floricultura!

Ae Ra assente contagiada pela mesma animação dele.

— Não sabia qual buquê te indicar, você não me disse para quem era. Espero que tenha gostado. — a animação da minha dona foi deixada de lado pela vergonha.

— Eu ainda não entreguei à ela. — ele retira os cacos das mãos dela e pede para ela esperar um segundo. Depois disso ele saiu correndo em direção à porta ao lado e demorou pouco mais de um minuto para voltar com um pequeno monte de flores vermelhas e arrumadas em mãos. Cheiravam como Ae Ra. — Eu as comprei porque me mudei recentemente para esse apartamento, minha vizinha foi gentil em me dar um presente de boas vindas e só moramos os dois nesse andar. Pensei em retribuir, mesmo que nunca tenha a visto, mas parece que ela mesma me vendeu as flores.

Ela ri e aceita as flores de bom grado. Por que ela ficou feliz por causa de simples flores? Eles conversam por mais algum tempo, rindo da ironia do destino ou algo do gênero que não fez o menor sentido. Os dois se encaravam sem desviar os olhos, vidrados um no outro.

— Sou Kim Mingyu. — ele quebra o silêncio.

— Jung Ae Ra. — ela responde sem demora. E os dois voltam para aquele silêncio estranho, por quanto tempo isso vai durar? Tento miar ou emitir qualquer som o mais alto possível para ver se consigo acordar os dois. Eles me encaram e trocam mais um olhar antes de se despedirem e cada um seguir para sua respectiva casa.

Sigo Ae Ra para nossa casa e tudo o que ela faz é sorrir de uma maneira boba para as plantas cheirosas em seus braços.

O que raios acabou de acontecer?

Humanos são tão estranhos » » Kim Mingyu Onde histórias criam vida. Descubra agora