Capítulo 5

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Acordo com o barulho de passos arrastados ao meu lado e logo ouço o doce som de comida sendo despejada em meu pote. Sinto o cheiro e a fome me desperta, antes que eu perceba já estou do lado do meu pote cheio pronto para começar o dia da melhor maneira.

Ae Ra está enrolada em um edredom em uma figura desgrenhada e cansada. Isso tem deixado de ser estranho no decorrer da semana, todos os dias ela acorda mais cedo que o comum e fica pensativa, olhando para a parede clara do apartamento. Ignoro um pouco minha fome para pedir sua atenção.

— Bom dia Rainy. — ela me pega em seus braços e sua voz soa melancólica. — Dormiu bem? Espero que pelo menos um de nós esteja descansando por aqui.

Se ela me entendesse eu gritaria para o mundo e faria ela entender que tudo isso foi um erro e que está mais do que claro que sente falta dele, mas é óbvio que ela não me entenderia.

Estamos à uma semana nessa lenga-lenga sofrida. Ae Ra nem olhava para o humano e o Mingyu apenas lança olhares tristes e desapontados na direção da minha dona ou para na frente da porta dela e demora longos segundos para no fim, seguir seu caminho e não fazer nada.

Ae Ra se levanta assim que se dá conta da hora e em uns vinte minutos ela já está saindo de casa e assim que ela fecha a porta eu me preparo para mais uma escapada.

Assim como na outra vez eu esperei ouvir os passos de Mingyu no corredor e dei o tempo até ele conseguir sair do prédio.

Mais uma vez eu o segui até o seu trabalho e fiquei o observando durante todo o dia. Sua figura cabisbaixa me quebra o coração, mas me concentro no que importa. O motivo de toda essa confusão.

Mingyu está distante de sua amiga, apesar de ainda a tratar com carinho. Não entendo o porquê deles brigarem, está mais do que óbvio que ele não sente nada pela sua amiguinha loira. Então eu cheguei a uma conclusão: eles precisam se encontrar e se resolver.

E já que eles não conseguem ter coragem de dar o primeiro passo, eu farei isso por eles.

Novamente eu o espero durante todo o dia, mas eu sabia que hoje eu causaria um alarde. Em dias de sexta, e as vezes sábado, o humano que eu e Ae Ra adotamos nos últimos dois anos, trabalha até de noite. Então logo a noite chega e minha hora de agir se aproxima.

Mingyu é o último a sair e assim que ele tranca as portas do lugar cheiroso eu desço ao seu encontro. A princípio, caminho atrás dele, tentando acompanhar suas passadas largas, mas no fim foi fácil ultrapassá-lo e me sentar bem a sua frente.

Ao contrário do que eu imaginei ele praticamente tropeça em mim e por pouco não pisa na minha cauda, mas acerta minha pata. Solto um som estridente e faço um drama pesado, alegando ter me machucado muito para frisar a urgência da situação.
Mudança de planos, mas vai funcionar.

— Meu Deus! Pobre gatinho, eu te machuquei? Vem aqui e... Rainy? — Ele logo se abaixa para me pegar em seu colo e checar a coleira que uso. — O que está fazendo aqui? Como... O quê... Como eu vou explicar isso para ela?

Ele se desespera e prefiro diminuir o nível do drama e apenas miar. O Kim logo acorda e começa a andar rápido na direção do nosso prédio. Isso meu caro humano me leve até ela.

Não demorou até chegarmos no tão conhecido lugar, sentia ele acariciar meu pelo enquanto esperávamos o elevado e confesso que adoro seu carinho.

A caixa de metal para no andar da minha humana e rapidamente ele anda até a porta dela, contudo, nada faz além de parar em frente à porta de madeira escura. Eu consigo ouvir Ae Ra andar de um lado para o outro lá dentro, quase fazendo um buraco abaixo dos seus pés. Me sinto mal por deixá-la preocupada, mas é por uma boa causa.

Ele hesita em chamá-la e eu me canso desse vai não vai. Pulo para o chão, recebendo um olhar indignado do humano ao perceber que eu estou bem. Antes que ele resolva dar as costas e sair correndo eu começo a arranhar a porta e fazer o máximo de barulho que consigo. A madeira logo se mexe e Ae Ra logo me pega em seus braços.

— Que susto você me deu! Pensei que tinha fugido ou pior que estivesse morto por aí seu gato maluco. O que eu faria sem você? — Apesar de adorar saber que tenho toda essa importância eu não sou o centro das atenções no momento, nem devo ser.
Pulo para o chão e começo a circular as pernas de Mingyu que ainda estava estatelado olhando para ela. — Oh... Mingyu. Obrigada por... Trazer esse fujão.

As palavras saem atrapalhadas e mostram o quanto ela está nervosa.

— Ele estava na frente do meu trabalho, quase não acreditei quando vi... É... Podemos conversar?

Minha humana trava por alguns segundos, mas assente e deixa que ele entre, fechando a porta logo em seguida.

Os dois se sentam no sofá, um de frente para o outro, mas nada dizem. Um silêncio constrangedor se apossa do ambiente e eu apenas fico parado impaciente, esperando qualquer coisa acontecer.

— Me desculpa. — para minha surpresa os dois dizem isso ao mesmo tempo, mas ele deixa que ela fale primeiro.

— Eu exagerei, estava insegura, nunca duvidei de você muito menos de suas palavras, mas quando eu te vi tão a vontade ao lado dela... Pensei que talvez... Ela seria uma namorada melhor para você. Fiquei com raiva, não de você, mas de mim por pensar em algo assim. — Mingyu sorri com as palavras dela e pega em sua mão.

— Eu também errei naquela noite, devia ter ficado ao seu lado ao invés de dar as costas. Você estava certa... Eu conversei com a Sungyeon, ela confessou a verdade e esclarecemos as coisas. — Ele suspira aliviado. — Se ficar insegura novamente estarei aqui para repetir quantas vezes forem necessária que eu te amo.

— Também te amo Gyu. — E o sorriso que ela deu foi minha deixa para sair dali.

Por mais que tentasse entendê-los eu não conseguia. Não entendia essa necessidade de ter alguém para amar, eles brigam, ficam sem se falar, mas é só se olharem olho no olho e tudo está resolvido. Me deito na janela do quarto de hóspedes, olhando o céu limpo e pensando nos dois pombinhos que provavelmente estão se engolindo lá na sala.

Queria descobri o porquê dos sorrisos, dos suspiros, da falta de sono em algumas noites e dos olhares esperançosos para a lua solitária. Contudo, eu nunca seria capaz, não como eles.

De uma forma ou outra, confesso que é bonito de se ver, curioso ao ponto de me intrigar.

E de fato eles são muito muito estranhos.

FIM

Humanos são tão estranhos » » Kim Mingyu Onde histórias criam vida. Descubra agora