1. Melly

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Nerd. Otária. Feia. Cega.
Respirei fundo e revirei os olhos.
Honestamente, aquelas raparigas podiam tentar ter um pouco de criatividade,não?
Suspirei e fechei o cacifo. Mais tarde havia de me lembrar de o limpar.
Enquanto segui pelo corredor rumo à sala de biologia alguém barrou o meu caminho. E que vontade que fosse qualquer outro alguém.
-Melly! Que surpresa encontrar-te!- Disse com um tom sarcástico.
-Ignorando o facto de ambas frequentarmos o colégio e a mesma turma...
Ajeitei os meus óculos pretos e tentei passar por Jennifer. Não tive grande sucesso.
-Sabes, eu posso acompanhar-te até à sala e mantemos uma boa conversa.- Disse tocando no meu cabelo desarrumado com uma expressão de nojo.
Instintivamente, apertei os livros que trazia nos braços contra mim e recuei um passo.
Jennifer é umas das raparigas mais populares do colégio. Com aquele tom meio acastanhado (que mais me parecia cor de laranja) no cabelo e com o cérebro do tamanho de um amendoim conseguia sempre conquistar qualquer rapaz e ter as melhores notas (graças aos alunos a quem seduzia e até ameaçava).
Eu sempre tive sucesso em passar despercebida, mas o clã de Jennifer tinha-me mostrado o horrível que era ser notada.
A rapariga de madeixas rosa na minha frente deu uma gargalhada estrondosa antes de puxar o meu cabelo volumoso,o que me fez dar um pequeno grito.
-Alguma vez ouviste falar em cabeleireiro? Olha, se quiseres eu posso ajudar-te com esse cabelo de esfregona.
Eu já devia estar habituada com os insultos, os risos e a humilhação pública. Mas não.
Os olhos começam a arder, mostrando estar prestes a chorar. Por isso, mordi o lábio inferior com força e segui até à sala de biologia. Sentei-me numa das mesas da frente, junto com Francy, uma amiga muito importante.
-O teu lábio... Está a sangrar, Mel.
Sorri, limpando o lábio com a língua e contornei esse assunto.
-Então, como correu o date com o Darian?
Francy sorriu e ditou cada detalhe.
-Ele é mesmo um rapaz incrível! Fomos jantar a um sítio confortável e houve tema de conversa de sobra. Depois levou-me... Estás a ouvir-me?
Parei de mexer no cabelo e dei um sorriso triste, desculpando-me.
-O que é que o meu cabelo tem de errado, Franc? - Pergunto uns minutos depois.
A minha melhor amiga levantou a sobrancelha.
-O teu cabelo é perfeito.
-Perfeito...- Repeti na tentativa de acreditar.
-Mas, tu nunca te queixaste dos teus caracóis.
-E não me estou a queixar... Como achas que eu ficava de cabelo liso?
-Tu ficas maravilhosa de qualquer maneira, mas esses caracóis são demasiado perfeitos para serem destruídos.
-Demasiado perfeitos...
Senti o olhar da professora sobre mim e engoli em seco.
-Ouviste o que te perguntei?
-Não, professora. Desculpe.
A professora O'Brien respira fundo e repete:
-Revendo: O que é a homeostasia?
-Homeostasia ou homeostase, a partir dos termos gregos homeo, "similar" ou "igual", e stasis, "estático", é a condição de relativa estabilidade da qual o organismo necessita para realizar as suas funções adequadamente para o equilíbrio do corpo. É igualmente a propriedade de um sistema aberto, especialmente dos seres vivos, de regular o seu ambiente interno, de modo a manter uma condição estável mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico, controlados por mecanismos de regulação inter-relacionados... Esqueci-me de alguma coisa?- Perguntei realmente insegura.
A professora sorri acenando negativamente e volta a explicar a matéria.
Tentei tomar atenção ao resto da aula.
Depois da última aula, finalmente pude voltar para casa.
Francy acompanhou-me até ao fundo da rua, pois teve de fazer um desvio até à casa do seu avô, por isso tive de continuar o meu percurso na companhia da minha playlist, que agora tocava walls could talk, de Halsey.
Ao chegar a casa fechei a porta e dirigi-me ao meu quarto silenciosamente trancando a porta.
Tirei alguns papéis do meu caminho, atirando-me para cima da cama.
Peguei o laptop em cima da mesa de cabeceira (= criado mudo) e abri numa conta de email que criei somente para enviar os meus textos para o jornal do colégio.
No início, quando tentei entrar para o jornal, não esperava que gostassem tanto dos meus textos; do meu ponto de vista e da minha opinião. Até Jennifer comentava com as suas amigas sobre as reportagens da G.O.W..
Mordi o meu lábio inferior enquanto digitava. Seu sorriso ecoava nos meus auscultadores a um volume acima do desejado. Isso ajudava-me a deixar as palavras fluírem da minha mente para o PC. Tive a sorte de nascer com a habilidade de pensar em duas coisas ao mesmo tempo. Bem, quase isso.
Depois de reler o meu trabalho umas cinco vezes, envio-o para o jornal.
Fechei o laptop e deitei-me sobre os lençóis azuis lisos. Respirei fundo olhando o teto. Conseguia escutar os gritos da minha mãe mesmo com a música no volume máximo. Devia pensar que eu não estava em casa. Sinceramente, era melhor assim. Ouvi-la gritar para as paredes era melhor do que vê-la descarregar em mim.
Puxei uma almofada para debaixo da minha nuca e não demorei a adormecer.

Obrigada pela capa, A_Jupiter! Ficou linda!

Anonymous Words || Palavras AnónimasOnde histórias criam vida. Descubra agora