PRÓLOGO: O VENTO NA JANELA

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"o que seria das estrelas,

se não fosse a noite escura?"

— Dante Veoleci


I

As luzes da cidade já estavam apagadas. O prefeito Marcelo Flores detestava desperdiçar o que quer que fosse. Bentarém era uma cidade parada no tempo. Aquela região escondida entre o Tocantins e Roraima não tinha muita vida, todos os dias eram como um ciclo que reiniciava. Nada de novo sob o sol.

Todas as manhãs as pessoas acordavam para iniciar com as suas ocupações. Uma pequena parte dos moradores tinha alguma função na prefeitura, que não impedia que gastassem seus dias sentados lendo papéis antigos, ou fofocando sobre a vida alheia. Alguns outros trabalhavam nos municípios das redondezas, então apanhavam o ônibus que saía às 08:00 e chegava às 19:00 todos os dias.

À tarde, o prefeito se trancava na sala com a secretária Isabela para resolver os assuntos do dia — assim ele dizia. O bar de seu Armando e d. Zélia abria, e começava a faxina no prostíbulo da cafetina Aline, que costumava passar as tardes conversando com a irmã adotiva, Susana, que lhe fazia um chá e comentava sobre o grande amor de sua vida, o forasteiro Leandro que deixou um filho em seu ventre e partiu, jurando voltar em breve para ficar com ela. Susana sofreu um aborto, e Leandro nunca retornou.

Ao cair da noite, o ônibus parava na estátua de Nossa Senhora na entrada da cidade, onde todos desciam e rumavam para suas casas. O bar fechava pontualmente às onze, e o prostíbulo à uma da manhã.

À madrugada, os ventos ficavam mais fortes e todos se recolhiam. Estranhos sons eram sempre ouvidos nas ruas, mas ninguém nunca se habilitou a investigá-los, estavam muito acostumados para tentar qualquer coisa do tipo.


II

O vento na janela fazia barulho. Diana se revirou na cama e percebeu que Marcelo não estava lá. Levantou, enfiou os pés nas sandálias e foi até a cozinha, onde encontrou o marido sentado à mesa, lendo um livro enquanto bebia de uma xícara de café.

— Verena ligou do Rio ontem. — disse, a uma distância considerável de Marcelo.

— Boa notícia. — ele respondeu, pondo a xícara de lado e virando a página de seu "A Vida Como Ela É".

As coisas não andavam bem entre eles há tempos, e a viagem da filha ao Rio de Janeiro com a tia, que deixou os dois sozinhos por um longo período de tempo, evidenciou ainda mais o enorme espaço existente entre eles.

Diana sabia que Marcelo estava envolvido com Isabela, ainda assim, não pensava em fazer nada para se separar. Ela não queria se separar. De jeito nenhum. Ainda amava aquele homem, ainda que ele tivesse a mais plena repulsão por ela. E ela sabia que a culpa era sua.

— Está esperando alguma coisa? — Marcelo perguntou.

— Você quer conversar? — ela propôs.

Ele colocou o livro de lado, tomou um longo gole da xícara de café e voltou os olhos para ela.

— Temos alguma coisa para conversar sobre? — frio, ele pronunciou cada palavra lentamente, ciente de que podia brincar com ela.

Diana não ia ceder, não ia aceitar que ele lhe tratasse com tamanha indiferença. Ela ia revidar.

— A não ser que você ignore o fato de que a minha filha...

— Nossa filha. — ele cortou.

— ... está voltando para a cidade e você me trata pior do que trata o faxineiro da prefeitura... — ela se inclinou sobre a mesa e encarou os olhos dele. — É melhor que você passe a me tratar como se trata uma primeira dama. Ou essa sua pose de prefeito e marido perfeito acaba com um simples discurso meu... — Diana estava cada vez mais certa de si. — Quer pagar para ver?

Marcelo engoliu em seco, levantou-se da mesa e saiu sem responder. Diana sentou à mesa e suspirou.

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