O vento gelado balança meus cabelos, mas, como de costume, eu não me importo muito com isso. Nasci em Inverleith, e estou acostumada com esse clima úmido, e toda essa névoa deixando a cidade com uma eterna cara de filme de terror. E, como em todas as tardes, desço pela rua Eldon até chegar à esquina do Howard Palace, onde meu pai se encontra com seu violão tocando para os pedestres.
Passei a vir todos os dias buscá-lo assim que aprendi a olhar as horas. Era o jeito mais fácil de trazê-lo para casa e evitar que mamãe passasse a brigar com ele. Todos os dias agora era assim, ele demorava a voltar, e ela brigava quando ele chegava. Eu chorava sempre – escondida, claro, não queria que eles vissem e brigassem mais por causa disso.
Queria que parasse. Tony disse que ouviu mamãe dizer que isso estava acabando. Tomara.
Papai tem a voz bonita, antes mesmo de chegar perto consigo ouvi-lo cantar. Ele está cantando, de novo, aquela música triste. Poeira no vento. Não entendo muito, mas parece bem triste, porque poeira no vento espalha e vai embora. Nunca mais se junta, e isso é muito triste.
— Mo nighean ruadh! O que faz aqui, pequenina?
— Dadaidh, nem tem graça mais. Sabe que eu venho te buscar todos os dias, e já está ficando escuro.
— Certo, certo – ele reclama, mas sempre tem o sorriso no rosto, como se gostasse dessas broncas. Ao menos eu não grito, acho que é disso que ele gosta.
Papai é bem bonito também. Seu cabelo é da mesma cor do meu, e eu sempre achei muito lindo. Vermelho, igual o céu quando o dia está indo embora – e não tem tanta névoa. Acho que por isso eu gosto tanto, a gente quase nunca consegue ver direito. É diferente, e por isso é bonito. Meu irmão Tony também tem o cabelo vermelho, mas o dele é mais escuro. Quase escapou de ser vermelho, a gente enxerga mais quando está sol.
Ele também gosta de ser diferente.
— Mo nighean ruadh, – papai me chama, conforme vamos subindo novamente a rua Eldon, até chegarmos em casa. A rua é bem grande, sempre dá tempo de termos boas conversas – preciso te contar uma coisa.
— Pode contar. Eu vou ouvir tudinho.
— Logo você vai mudar de Edimburgo.
— Não! Eu não vou, papai, sou criança... Só tenho cinco anos, lembra?
— Cinco anos, tudo isso! Meu bebê cresceu muito rápido.
— Sim, já sou enorme.
— Você e Tony vão embora com a mamãe para o Brasil.
Logo meu cérebro começa a fazer contas, porque ele disse eu, Tony e mamãe.
— E você? – Paro no meio do caminho, já não gostando nem um pouco dessa história.
— Eu vou ficar. A casa do papai é a Escócia, e a casa da mamãe é o Brasil.
— Mas aquela música que você sempre canta diz que a casa é onde o coração está...
Ele não responde. Mas isso é algo que eu só iria entender anos depois.
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Nota da autora: Inverleith é um subúrbio no norte de Edimburgo, na Escócia, na periferia da região central da cidade
Nota da autora: Mo nghean ruadh - minha ruivinha (em gaélico)
Nota da autora: Dadaidh - Papai (em gaélico)
Siga para o próximo capítulo, onde você encontrará o prólogo do nosso delegado.
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Entre Oceanos [DEGUSTAÇÃO]
RomanceA parte um esteve completa no Wattpad até o dia 12/08/2019. A parte dois, esteve completa até o dia 10/11/2019. Ambos agora se encontram completos na Amazon, estando aqui somente capítulos de degustação. O quão tarde é para recomeçar? Quinze dias s...