cento e dezessete

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desculpe-me por estar te escrevendo agora,
eu sei que faz anos que você se foi,
mas naquela época eu não tinha palavras para expressar o que sentia,
e eu não conseguia,
porque tudo o que eu sentia
estava guardado,
na verdade,
trancado dentro de mim.

então,
me perdoe por estar te escrevendo agora,
me perdoe por não saber o que te dizer naquela época,
mas eu era pequena e ingénua,
não sabia o que era dor,
e acho que ainda não sei ao certo
o que é.

mas eu sei que dói,
porque dor dói, não é mesmo?

eu não consigo
parar de pensar
de vez em quando
da forma que você se foi.

foi tão triste,
eu lembro de ter ficado triste
por ter perdido você,
mas não havia entendido
o por quê.

você era um bom
homem,
você sempre demonstrou isso,
e sempre fez atos bons.

ano passado
descobrimos que você
que pagava a nossa escola em Brasília.

ah, como eu queria agradecer por isso.

muito obrigada por isso,
eu agradeço de paixão,
todos nós agradecemos.

nós não fazíamos ideia
que quem pagava a escola era você,
e quando descobri isso,
meu coração transbordou
de felicidade,
por saber que você nos ajudou
e de tristeza,
por saber que você não está mais aqui.

você morreu perto do meu aniversário,
meu aniversário foi triste,
todos choravam e choravam,
eu me lembro de todos com a cara enxada e com os olhos vermelhos.

eu sabe,
eu não gosto de chorar,
e como eu era pequena,
eu preferia me distrair com algo
para não ter que perceber
o que havia acontecido.

mas vendo todos tristes
e chorosos,
eu sabia que aquilo era verdade,
mas preferia fingir que era mentira.

meu aniversário
começou todo triste,
todos ficaram separados em cantos,
lembrando de você.

então,
a luz acabou,
e fomos obrigados a ficar em um canto
juntos.

ficámos na sala de jantar,
papai ficou na porta,
e do nada ele me chamou.

eu fui até ele
e ele me disse:
veja o que temos ali.

eu vi algo verde brilhando,
era um vaga-lume,
eu nunca tinha visto um.

e eu não sei porquê
mas naquela época
eu pensei que era você.

só poderia ser você,
não é mesmo, tio?

meus sentimentos são fataisOnde histórias criam vida. Descubra agora