Capítulo XVI

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Não posso dizer que havia vantagem na posição de imediato, a não ser não precisar mais lavar pratos. Eu desconhecia até as mais simples obrigações de meu posto e teria me saído muito mal não tivesse contado com a solidariedade dos marujos. Não tinha o menor domínio das minúcias envolvendo o cordame e a mastreação, e menos ainda do posicionamento e do ajuste das velas, mas os marujos, especialmente Louis, se esforçaram para me colocar a par de tudo e não enfrentei muitos problemas com meus subordinados.

Com os caçadores, a história foi outra. Familiarizados com o mar em diferentes graus, eles me tomavam como uma espécie de piada. Na verdade, eu mesmo via isso como uma piada, um homem totalmente alheio ao mar ocupando o posto de imediato; mas ser visto como uma piada pelos outros era bem diferente. Eu nunca reclamei, mas Wolf Larsen exigia que a mais rigorosa etiqueta marítima fosse observada com relação a mim, o que não acontecera com o pobre Johansen, e à custa de muitas discussões, ameaças e protestos ele acabou mantendo os caçadores na linha. Eu era o "sr. Van Weyden" da proa à popa, e o próprio Wolf Larsen só se dirigia a mim como "Hump" extraoficialmente.

Era divertido. Se o vento virasse alguns pontos durante o jantar, quando eu saía da mesa ele dizia:

— Sr. Van Weyden, tenha a bondade de pôr a retranca a boreste.

Então eu subia até o convés, acenava para Louis e pedia que me explicasse o que era necessário fazer. Alguns minutos depois, havendo digerido as instruções e aprendido a manobra, eu dava as minhas ordens. Lembro que, numa das primeiras ocorrências desse tipo, Wolf Larsen surgiu bem no instante em que eu começava a passar as ordens. Ficou fumando seu charuto e acompanhou tudo em silêncio até o fim, depois veio caminhando a meu lado, a barlavento, em direção à popa.

— Hump — ele disse —, ou melhor, perdão, sr. Van Weyden, o senhor está de parabéns. Creio que já pode devolver as pernas de seu pai ao túmulo dele. Descobriu que tem pernas próprias e aprendeu a ficar em pé com elas. Com um pouco mais de operação do cordame, ajuste de velas e experiência com tempestades, poderá terminar a viagem apto a comandar qualquer escuna.

Foi durante esse período, entre a morte de Johansen e a chegada à região das focas, que passei minhas horas mais agradáveis a bordo do Ghost. Wolf Larsen era atencioso, os marujos me ajudavam e eu estava livre da presença irritante de Thomas Mugridge. E tomo a liberdade de dizer que, com o passar dos dias, comecei a ter um orgulho secreto de mim mesmo. Por mais fantástica que fosse a minha situação, a de um marinheiro de água doce ocupando a segunda posição na cadeia de comando, eu estava conseguindo me virar um tanto bem. Tive orgulho disso durante aquele breve período e aprendi a amar o sobe e desce do Ghost arfando sob meus pés, singrando para o noroeste em águas tropicais, até a ilhota em que nos reabasteceríamos de água.

Mas essa felicidade não era plena. Era relativa, um período de sofrimento menor intercalando um passado e um futuro de enorme sofrimento. Afinal o Ghost, pelo menos do ponto de vista de seus marinheiros, era o barco mais infernal que se podia conceber. Eles nunca tiveram um único instante de paz ou alívio. Wolf Larsen guardou rancor do atentado contra sua vida e da surra no castelo de proa e dedicou suas manhãs, tardes, noites e madrugadas a tornar a existência deles intolerável.

Ele conhecia bem a psicologia das coisas pequenas, e por meio delas foi capaz de manter a tripulação sempre à beira da loucura. Vi Harrison ser retirado da cama para guardar um pincel no local adequado, acompanhado pelas duas vigias em descanso, que também foram forçadas a acordar para vê-lo cumprir a tarefa. Uma coisa pequena, sem dúvida, mas quando temos uma mente capaz de multiplicar por mil os expedientes dessa natureza podemos começar a imaginar o estado mental dos homens no castelo de proa.

As reclamações não cessavam, é claro, e pequenos conflitos explodiam sem parar. Bordoadas eram distribuídas e sempre havia dois ou três homens feridos pelas mãos da besta humana que os comandava. Uma reação conjunta era impossível por causa da grande quantidade de armas de fogo à disposição da baiuca e da cabine. Leach e Johnson foram as duas vítimas especiais do temperamento diabólico de Wolf Larsen, e o ar de melancolia profunda que havia se instalado na expressão e no olhar de Johnson partia o meu coração.

O lobo do mar (1904)Onde histórias criam vida. Descubra agora