Capítulo XX

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O resto do dia transcorreu sem incidentes. O princípio de temporal molhou nossas ventas e depois amenizou. O maquinista e os três graxeiros, depois de uma entrevista amena com Wolf Larsen, foram vestidos com os uniformes disponíveis no bazar do barco, destacados para funções chefiadas pelos caçadores nos diversos botes ou períodos de vigia da embarcação, e despachados para o castelo de proa. Foram para lá protestando, mas em voz baixa. Já estavam impressionados o bastante com o que tinham visto do caráter de Wolf Larsen, e a triste história que logo ouviram no castelo de proa abafou suas últimas centelhas de rebeldia.

A srta. Brewster (o maquinista nos disse seu nome) dormia sem parar. Durante o jantar, pedi aos caçadores que baixassem o tom de voz para não molestá-la, e ela só foi aparecer na manhã seguinte. Eu tinha a intenção de servir as refeições dela à parte, mas Wolf Larsen bateu o pé. Quem era ela para não ser considerada digna da mesa e do convívio na cabine?

Sua chegada à mesa, contudo, teve um aspecto divertido. Os caçadores ficaram quietinhos como mariscos. Apenas Jock Horner e Smoke não se deixaram abalar e ficaram lançando olhares ocasionais, chegando a participar da conversa. Os outros quatro grudaram os olhos no prato e ficaram mastigando com regularidade e compenetração, com as orelhas se mexendo e abanando no mesmo ritmo da mandíbula, como acontece com tantos animais.

No início, Wolf Larsen pouco tinha a dizer e se limitava a responder quando era interpelado. Não que estivesse abalado. Longe disso. Aquele era um tipo de mulher novo para ele, uma espécie diferente de todas que já tinha visto, e ele ficou curioso. Dedicou-se a estudá-la e seus olhos só desviavam do rosto dela para acompanhar o movimento de suas mãos e ombros. Eu próprio também a estudava e, embora coubesse a mim manter a conversa andando, tinha a consciência de estar um pouco tímido, um pouco fora de controle. A postura dele era perfeita, de suprema confiança em si mesmo, totalmente inabalável, demonstrando diante da mulher a mesma falta de timidez exibida em batalhas e tempestades.

— E quando chegaremos a Yokohama? — ela perguntou, voltando-se para ele e olhando bem nos seus olhos.

Pronto, ali estava a pergunta colocada de forma direta. As mandíbulas pararam de mastigar, as orelhas pararam de abanar e, apesar de seguirem com os olhos grudados nos pratos, todos os homens aguardavam a resposta com ansiedade.

— Daqui a quatro meses, talvez três, se a temporada encerrar mais cedo — disse Wolf Larsen.

Ela respirou fundo e gaguejou:

— Eu... eu achava... me deram a entender que Yokohama estava a apenas um dia daqui. Isso... — Ela fez uma pausa e deu uma olhada ao redor da mesa repleta de rostos insensíveis fitando seus pratos. — Isso não é direito — concluiu.

— Essa é uma questão a ser resolvida com o sr. Van Weyden ali — ele respondeu, acenando para mim com uma piscadinha travessa. — O sr. Van Weyden é o que se pode chamar de autoridade nessa coisa de direitos. Mas eu, que sou apenas um marinheiro, veria a situação de maneira um pouco diferente. Ser obrigada a passar tempo conosco pode ser um infortúnio para você, mas para nós é certamente uma sorte.

Ele abriu um sorriso e a encarou. Ela baixou os olhos mas logo em seguida voltou a erguê-los, desafiadores, em direção aos meus. Percebi a pergunta embutida neles: aquilo era direito? Mas eu tinha decidido que o papel que me cabia desempenhar era neutro, portanto não respondi.

— O que você acha disso? — ela perguntou.

— Acho que é uma pena, principalmente se você tiver compromissos nos próximos meses. Mas, como disse que estava viajando para o Japão por motivos de saúde, posso garantir que em lugar nenhum haverá uma melhora tão grande quanto aqui no Ghost.

O lobo do mar (1904)Onde histórias criam vida. Descubra agora