Capítulo XXIII

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Ventos vigorosos e constantes empurraram o Ghost rapidamente para o norte, em direção ao bando de focas. Nós o encontramos na altura do paralelo quarenta e quatro, em uma região de mar bravio e tempestuoso, açoitado por um vento que arrastava os bancos de neblina em eterna procissão. Passavam dias sem que pudéssemos ver o sol ou fazer qualquer espécie de observação, até que de repente o vento varria a face do oceano e expunha as vagas cintilantes, permitindo que nos localizássemos. Às vezes sobrevinha um dia limpo, quem sabe três ou quatro, mas depois a neblina voltava a nos cobrir, parecendo mais espessa do que nunca.

A caçada se tornou arriscada, mas mesmo assim os botes eram baixados todos os dias e engolidos pela escuridão cinzenta para serem vistos novamente apenas ao cair da noite ou muito depois, surgindo ao longe, um a um, como espectros marinhos em meio ao cinza. Wainwright, o caçador que Wolf Larsen havia sequestrado com o bote e a tripulação, aproveitou o mar brumoso e conseguiu escapar. Certa manhã, desapareceu na neblina circundante com seus dois homens e nunca mais voltamos a vê-lo, embora tenhamos ficado sabendo, poucos dias depois, que eles foram de escuna em escuna e finalmente reencontraram a sua.

Eu tinha decidido fazer exatamente o mesmo, mas a oportunidade nunca apareceu. Embarcar nos botes não era algo que se encaixava nas atribuições do imediato, e, embora eu tenha feito algumas manobras astutas nesse sentido, Wolf Larsen jamais me concedeu o privilégio. Se tivesse concedido, eu teria encontrado uma maneira de levar a srta. Brewster comigo. Do modo como as coisas andavam, a situação se aproximava de um estágio que eu temia imaginar. Eu evitava pensar nisso, mas o pensamento continuava invadindo minha mente como uma assombração.

No passado, li romances marítimos nos quais não raro figurava a mulher solitária no navio cheio de homens, mas agora eu me dava conta de que nunca tinha compreendido o significado mais profundo de uma situação dessas, aquilo que os autores reprisavam e, exploravam com tanta dedicação. E eis que a situação surgia agora e eu estava cara a cara com ela. Para que ficasse extrema ao limite, bastava apenas que a mulher fosse Maud Brewster e que sua pessoa me enfeitiçasse da mesma forma que seu trabalho já havia me enfeitiçado.

Não se poderia imaginar alguém mais deslocado do cenário. Ela era uma criatura delicada e etérea, esbelta e flexível, de movimentos leves e graciosos. Eu tinha a impressão de que ela não andava, ou pelo menos não andava como o restante dos mortais. Ela possuía uma gracilidade extrema e se movia com uma airosidade indefinível, aproximando-se dos outros como uma pluma flutuante ou um pássaro capaz de bater asas sem ruído.

Ela era um pouco como a porcelana de Dresden, e eu não deixava de me impressionar com o que poderia definir como a sua fragilidade. Como naquela primeira vez em que peguei em seu braço para levá-la até a cabine, eu estava preparado para que a qualquer momento, diante de alguma pressão ou contato mais agressivo, ela se desmanchasse no chão. Nunca vi um corpo e um espírito de tão comum acordo. Se, a exemplo dos críticos, você descrevesse seus versos como sublimes e espirituais, você também estaria descrevendo o seu corpo, que parecia ser uma emanação de sua alma, como se tivesse atributos análogos e a prendesse à vida com a mais delicada corrente. Ela realmente pisava o chão de leve, e pouco havia da argila grossa em sua constituição.

Seu contraste com Wolf Larsen era chocante. Não tinham nada um do outro, eram tudo que o outro não era. Certa manhã, observei quando andavam juntos no convés e me ocorreu que representavam extremos opostos da escada da evolução humana, de um lado o cúmulo de todas as selvagerias, do outro o produto acabado da mais refinada civilização. É verdade que Wolf Larsen era dotado de um intelecto incomum, mas ele o direcionava somente para o exercício de seus instintos selvagens, e com isso se tornava um selvagem ainda mais formidável. Era um homem pesado, dotado de uma musculatura esplêndida, e, embora andasse com a firmeza e a determinação do homem físico, não havia nada de pesado em seu andar. A selva e a natureza moravam na subida e na descida de seus passos. Tinha patas de felino e era flexível e forte, sempre forte. Eu o comparava a um grande tigre, a um predador destemido. Era essa a imagem que transmitia, e o brilho penetrante que às vezes riscava seu olhar era o mesmo brilho penetrante que eu tinha observado nos olhos dos leopardos enjaulados e de outros predadores selvagens.

O lobo do mar (1904)Onde histórias criam vida. Descubra agora