Capítulo XXI

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O desapontamento que Wolf Larsen sentia por ter sido ignorado por Maud Brewster e por mim na conversa à mesa precisava ser descarregado de alguma forma, e o papel de vítima coube a Thomas Mugridge. Ele não tinha cuidado dos modos nem da camisa, embora alegasse tê-la trocado. A peça de roupa em si não depunha a favor dessa afirmação, da mesma forma que os acúmulos de gordura no fogão, nos potes e nas panelas não indicavam nenhuma melhoria nos hábitos de limpeza.

— Não faltou aviso, Mestre-Cuca — disse Wolf Larsen —, e agora você terá que engolir o remédio.

O rosto de Mugridge empalideceu por baixo da crosta de sujeira, e assim que Wolf Larsen mandou trazer uma corda e dois homens o desgraçado do cockney fugiu correndo da cozinha e fez o que pôde no convés para escapar das garras dos marujos sorridentes. Pouca coisa os deixaria mais felizes que ver o cozinheiro ser rebocado no mar, depois das gororobas e nojeiras imundas que servira ao pessoal do castelo de proa. As condições de navegação favoreciam o procedimento. O Ghost deslizava pelas águas a no máximo três milhas por hora e o mar estava bem calmo. Mas Mugridge não tinha estômago para tomar um caldo. Devia ter visto outros homens serem rebocados. Além disso, a água estava assustadoramente gelada e ele não apresentava o que se poderia chamar de uma constituição firme.

Como sempre, as vigias de folga e os caçadores subiram ao convés para acompanhar o que prometia ser um espetáculo divertido. Mugridge parecia sentir um medo violento da água e demonstrava agora uma rapidez e uma habilidade insuspeitas. Ao ser encurralado no ângulo reto entre a popa e a cozinha, pulou como um gato em cima do teto da cabine e correu em direção à popa. Mas, quando seus perseguidores anteciparam seus movimentos, ele fez o caminho de volta pela cabine, passou por cima da cozinha e alcançou o convés cruzando a escotilha da baiuca. Correu em linha reta com o remador Harrison em seu encalço, cada vez mais perto. Com um salto inesperado, porém, Mugridge agarrou-se ao estai da bujarrona. Aconteceu em um piscar de olhos. Sustentando o peso com os braços e dobrando o corpo ao meio em pleno ar, ele saiu voando com os dois pés esticados. Harrison se aproximava quando recebeu o chute bem na boca do estômago, soltando um grito involuntário, dobrando-se ao meio e caindo para trás sobre o convés.

A façanha foi recebida com palmas e gargalhadas dos caçadores ao mesmo tempo em que Mugridge, escapando de metade de seus perseguidores em volta do mastro da proa, atravessou o caminho em direção à popa como um jogador de futebol americano. Passou pelo tombadilho e manteve o curso até chegar à extremidade da proa. Estava indo tão rápido que, ao fazer a curva no canto da cabine, escorregou e caiu. Nilson estava no timão e o corpo desgovernado do cockney acertou-lhe as pernas. Os dois foram juntos ao chão, mas só Mugridge levantou. Por alguma bizarra combinação de pressões, seu corpo frágil quebrara a perna daquele homem possante, deixando-a como um cachimbo.

Parsons assumiu o timão e a perseguição continuou. Davam voltas e voltas no convés, Mugridge transtornado de medo, os marujos aos berros trocando instruções entre si, e os caçadores soltando risadas e gritos de apoio e incentivo. Mugridge se enfiou na escotilha de proa debaixo de três homens, mas conseguiu brotar do meio da massa de corpos como se fosse uma enguia, sangrando pela boca, com a famigerada camisa rasgada em tiras, e trepou no cordame do mastro principal. Foi subindo até ultrapassar as enxárcias e alcançar o topo do mastro.

Meia dúzia de marinheiros subiu até os joanetes para ir atrás dele e ficou ali esperando enquanto dois integrantes do time, Oofty-Oofty e Black (que era piloto do bote de Latimer), continuaram subindo pelos finos estais de arame, usando a força dos braços para içar seus corpos cada vez mais alto.

A investida era perigosa. Mais de trinta metros acima do convés, segurando-se somente com as mãos, eles estavam em posição difícil para se defender dos chutes de Mugridge. E Mugridge ficou chutando como um louco até que o canaca, segurando-se com apenas uma das mãos, conseguiu agarrar o pé do cockney com a outra. Black imitou a manobra no instante seguinte e agarrou o outro pé. Os três se debateram enroscados, balançando no ar, até que escorregaram e caíram nos braços dos companheiros posicionados nos joanetes.

O lobo do mar (1904)Onde histórias criam vida. Descubra agora