Coloco o celular em cima da bancada e diminuo o volume da música, deixando apenas uma suave melodia. Os sentidos são muito importantes para nos guiar, então, distrações não são muito bem-vindas se precisar de foco. Algo pode passar batido ou corremos o risco de nos acidentar.
Ane mandou mensagem agora há pouco avisando que vai se atrasar. Um cliente pediu para refazer a campanha em cima da hora e toda a agência foi acionada. Estou tão empolgada que abriu meu apetite. Não vou esperá-la para cozinhar, não. Eu mesma prepararei o jantar.
Minha mãe era uma excelente cozinheira, aprendi cedo a fazer alguns pratos. Desde que aceitei minha cegueira, comecei a praticar usar o fogão e os utensílios de novo.
O segredo é a persistência e a prática. Errei muito até me adaptar, como uma pessoa vidente também erra quando está apreendendo. É necessário treinar e não ter pressa. A paciência é uma virtude fundamental para quem tem alguma deficiência.
É mais demorado fazer tudo sozinha, no entanto, viável. Em casa, a maioria das vezes meu pai me auxiliava. Aqui, minha amiga ajuda.
De manhã, Ane deixou duas postas de salmão descongelando. Vou fazer um purê de mandioquinha para acompanhar o grelhado.
Abro a geladeira e pego o recipiente com o peixe. Em seguida, tateio as gavetas para encontrar os tubérculos. Cenoura, inhame, batata e o que preciso estão no primeiro compartimento do lado esquerdo. Apalpo e logo identifico, colocando-os em cima da pia.
Para facilitar, organizamos a cozinha com tudo mais perto possível. As panelas ficam embaixo da pia, os potes em um armário do lado direito e o fogão do lado esquerdo.
Procuro com os dedos uma panela média e encho de água. Para saber se o fogo acendeu, é só aproximar a mão e sentir a temperatura.
Enquanto a água ferve, apanho o descascador na gaveta e começo a preparar a mandioquinha. É fácil identificar se ficou casca: as texturas são diferentes. Basta notar.
É incrível como nosso corpo se adequa a nós. Nossas limitações nunca vencem, se não deixarmos que isso aconteça.
No começo, eu me rendi à cegueira, mas depois de um tempo, percebi que sou muito maior que ela. Muito mesmo!
Com uma faca na mão, corto os pedaços em tamanhos menores para facilitar o cozimento e coloco na água que já ouço borbulhando. Uma parte concluída com sucesso, hora do peixe.
O que eu mais errava no começo era o tempero. Ora ficava demais, ora de menos. Uma saída que encontrei é fazer uma espécie de molho em um recipiente e jogar ali o que preciso temperar, assim posso ter um pouco de controle. Já sei as medidas de cor para cada tipo de carne, então, só misturo e deixo reservado para pegar o gosto.
Faço isso com o salmão e confiro com um garfo se a mandioquinha amoleceu.
— Só mais um pouquinho! — falo sozinha, remexendo ao som da música baixa que sai do meu celular.
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RomanceSérie Sentidos - Livro 2 Histórias independentes O que você faria se sua vida perdesse o significado? Lucas sempre teve tudo que quis. A quadra, a fama e as mulheres são suas três coisas preferidas, nesta ordem. Prestes a ser convocado para a seleç...