CAPÍTULO XLI
— Vamos para dentro, murmurou Sofia.
Quis tirar o braço; mas o dele reteve-lho com força. Não; ir para quê?
Estavam ali bem, muito bem... Que melhor? Ou seria que ele a estivesse aborrecendo? Sofia acudiu que não, ao contrário; mas precisava ir fazer sala às visitas... Há quanto tempo estavam ali.
— Não há dez minutos, disse o Rubião. Que são dez minutos?
— Mas podem ter dado pela nossa ausência...
Rubião estremeceu diante deste possessivo nossa ausência. Achou-lhe um princípio de cumplicidade. Concordou que podiam dar pela nossa ausência. Tinha razão, deviam separar-se, só lhe pedia uma cousa, duas cousas a primeira é que não esquecesse aqueles dez minutos sublimes; a segunda é que, todas as noites, às dez horas fitasse o Cruzeiro, ele o fitaria também, e os pensamentos de ambos iriam achar-se ali juntos, íntimos, entre Deus e os homens.
O convite era poético, mas só o convite. Rubião ia devorando a moça com olhos de fogo e segurava-lhe uma das mãos para que ela não fugisse. Nem os olhos nem o gesto tinham poesia nenhuma. Sofia esteve a ponto de dizer alguma palavra áspera, mas engoliu-a logo, ao advertir que Rubião era um bom amigo da casa. Quis rir, mas não pôde; mostrou-se então arrufada, logo depois resignada, afinal suplicante; pediu-lhe pela alma da mãe dele, que devia estar no céu... Rubião não sabia do céu nem da mãe, nem de nada. Que era mãe? que era céu? parecia dizer a cara dele.
— Ai, não me quebre os dedos! suspirou baixinho a moça.
Aqui é que ele começou a voltar a si; afrouxou a pressão, sem soltar-lhe os dedos.
— Vá, disse ele, mas primeiro...
Inclinava-se para beijar a mão, quando uma voz. a alguns passos, veio acordá-lo inteiramente.
CAPÍTULO XLII
— Olá! Estão apreciando a lua? Realmente, está deliciosa; está uma noite para namorados... Sim, deliciosa... Há muito que não vejo uma noite assim... Olhem só para baixo, os bicos de gás... Deliciosa! para namorados... Os namorados gostam sempre da Lua. No meu tempo, em Icaraí...
Era Siqueira, o terrível major. Rubião não sabia que dissesse; Sofia, passados os primeiros instantes, readquiriu a posse de si mesma; respondeu que, em verdade, a noite era linda; depois contou que Rubião teimava em dizer que as noites do Rio não podiam comparar-se às de Barbacena, e, a propósito disso, referia uma anedota de um Padre Mendes... Não era Mendes?
— Mendes, sim, o Padre Mendes, murmurou Rubião.
O major mal podia conter o assombro. Tinha visto as duas mãos presas, a cabeça do Rubião meio inclinada, o movimento rápido de ambos, quando ele entrou no jardim; e sai-lhe de tudo isto um Padre Mendes... Olhou para Sofia; viu-a risonha, tranqüila, impenetrável. Nenhum medo, nenhum acanhamento; falava com tal simplicidade, que o major pensou ter visto mal. Mas Rubião estragou tudo. Vexado, calado, não fez mais que tirar o relógio para ver as horas, levá-lo ao ouvido, como se lhe parecesse que não andava, depois limpá-lo com o lenço, devagar, devagar, sem olhar para um nem para outro...
— Bem, conversem, vou ver as amigas, que não podem estar sós.
Os homens já acabaram o maldito voltarete?
— Já, respondeu o major olhando curiosamente para Sofia. Já, e até perguntaram por este senhor; por isso é que eu vim ver se o achava no jardim. Mas estavam aqui há muito tempo?
— Agora mesmo, disse Sofia.
Depois, batendo carinhosamente no ombro do major, passou do jardim à casa; não entrou pela porta da sala de visitas, mas por outra que dava para a de jantar; de maneira que, quando chegou àquela pelo interior, era como se acabasse de dar ordens para o chá.