CAPÍTULO CXXXI
Rubião tratou-os com simpatia. Não continuou a defender a gente Palha, para não desesperar o major. Pouco depois, despediu-se, prometendo, sem convite, que lá iria jantar "um dia destes".
— Jantar de pobre, acudiu o major; se puder avisar, avise.
— Não quero banquetes; virei quando me der na cabeça.
Despediu-se. D. Tônica, depois de ir até o patamar, sem chegar à frente por causa dos sapatos, foi à janela para vê-lo sair.
CAPÍTULO CXXXII
Logo que Rubião dobrou a esquina da Rua das Mangueiras, D. Tônica entrou e foi ao pai, que se estendera no canapé, para reler o velho Saint-Clair das Ilhas ou os Desterrados da ilha da Barra. Foi, o primeiro romance que conheceu; o exemplar tinha mais de vinte anos; era toda a biblioteca do pai e da filha. Siqueira abriu o primeiro volume, e deitou os olhos ao começo do cap. II, que já trazia de cor.
Achava-lhe agora um sabor particular, por motivo dos seus recentes desgostos.
Enchei bem os vossos copos, exclamou Saint-Clair, e betamos de uma vez; eis o brinde que vos proponho. A saúde dos bons e valentes oprimidos, e ao castigo dos seus opressores. Todos acompanharam Saint-Clair, e foi de roda a saúde.
— Sabe de uma cousa, papai? Papai compra amanhã latas de conserva, ervilha, peixe, etc., e ficam guardadas. No dia em que ele aparecer para jantar, põe-se no fogo, é só aquecer, e daremos um jantarzinho melhor.
— Mas eu só tenho o dinheiro do teu vestido.
— O meu vestido? Compra-se no mês que vem, ou no outro E espero.
— Mas não ficou ajustado?
— Desajusta-se; eu espero.
— E se não houver outro do mesmo preço?
— Há de haver; eu espero, papai.
CAPÍTULO CXXXIII
Ainda não disse, — porque os capítulos atropelam-se debaixo da pena, —
mas aqui está um para dizer que, por aquele tempo, as relações de Rubião tinham crescido em número. Camacho pusera-o em contacto com muitos homens políticos, a comissão das Alagoas com várias senhoras, os bancos e companhias com pessoas do comércio e da praça, os teatros com alguns freqüentadores e a Rua do Ouvidor com toda a gente. Já então era um nome repetido. Conhecia-se o homem.
Quando apareciam as barbas e o par de bigodes longos uma sobrecasaca bem justa, um peito largo, bengala de unicórnio, e um andar firme e senhor, dizia-se logo que era o Rubião — um ricaço de Minas.
Tinham-lhe feito uma lenda. Diziam-no discípulo de um grande filósofo, que lhe legara imensos bens, — um, três, cinco mil contos. Estranhavam alguns que ele não tratasse nunca de filosofia, mas a lenda explicava esse silêncio pelo próprio método filosófico do mestre, que consistia em ensinar somente aos homens de boa vontade. Onde estavam esses discípulos? Iam à casa dele, todos os dias, — alguns duas vezes, de manhã e de tarde; e assim ficavam definidos os comensais. Não seriam discípulos, mas eram de boa vontade Roíam fome, à espera, e ouviam calados e risonhos os discursos do anfitrião. Entre os antigos e os novos, houve tal ou qual rivalidade que os primeiros acentuaram bem, mostrando maior intimidade dando ordens aos criados, pedindo charutos, indo ao interior, assobiando, etc. Mas o costume os fez suportáveis entre si, e todos acabaram na doce e comum confissão das qualidades do dono da casa. Ao cabo de algum tempo, também os novos lhe deviam dinheiro, ou em espécie, — ou em fiança no alfaiate, ou endosso de letras, que ele pagava às escondidas, para não vexar os devedores.