CAPÍTULO CXXI
"Bem, vai casar, tanto melhor! pensou Rubião.
Entre aquela noite e o dia do casamento, Rubião apanhou no ar algumas olhadas de Sofia, suspeitas de tentação; Carlos Maria, se lhe correspondeu, foi antes por polidez que outra cousa. Rubião concluiu que o caso era fortuito; lembrava-se ainda da lágrima de Sofia, na noite dos anos, quando lhe explicou a história da carta.
Oh! boa lágrima inesperada! Tu, que bastaste a persuadir um homem, podes não ser explicável a outros, e assim vai o mundo. Que importa que os olhos não fossem costumados ao choro, nem que a noite parecesse exaltar sentimentos mui diversos da melancolia? Rubião a viu cair; ainda agora a vê de memória. Mas a confiança de Rubião não vinha só da lágrima, vinha também da presente Sofia, que nunca fora tão solícita nem tão dada com ele. Parecia arrependida de todo o mal causado, prestes a saná-lo, ou por afeição tardia, ou pelo próprio malogro da primeira aventura. Há delitos virtuais, que dormem. Há óperas remissas na cabeça de um maestro, que só esperam os primeiros compassos da inspiração.
CAPÍTULO CXXII
"Ainda bem que se casa!" repetiu o Rubião.
Não se demorou o casamento três semanas. Na manhã do dia aprazado.
Carlos Maria abriu os olhos com algum espanto. Era ele mesmo que ia casar? Não havia dúvida; mirou-se ao espelho, era ele. Relembrou os últimos dias, a marcha rápida dos sucessos, a realidade da afeição que tinha à noiva, e, enfim, a felicidade pura que lhe ia dar. Esta derradeira idéia enchia-o de grande e rara satisfação. Ia-as ruminando inda, a cavalo, no passeio habitual da manhã; desta vez escolhera o bairro do Engenho Velho.
Posto se achasse costumado aos olhos admirativos, via agora em toda a gente um aspecto parecido com a notícia de que ele ia casar. As casuarinas de uma chácara, quietas antes que ele passasse por elas, disseram-lhe cousas mui particulares, que os levianos atribuiriam à aragem que passava também, mas que os sapientes reconheceriam ser nada menos que a linguagem nupcial das casuarinas.
Pássaros saltavam de um lado para outro, pipilando um madrigal. Um casal de borboletas, — que os japões têm por símbolo da fidelidade, por observarem que, se pousam de flor em flor, andam quase sempre aos pares, — um casal delas acompanhou por muito tempo o passo do cavalo, indo pela cerca de uma chácara que beirava o caminho volteando aqui e ali, lépidas e amarelas. De envolta com isto, um ar fresco, céu azul, caras alegres de homens montados em burros, pescoços estendidos pela janela fora das diligências, para vê-lo e ao seu garbo de noivo.
Certo, era difícil crer que todos aqueles gestos s atitudes da gente, dos bichos e das árvores, exprimissem outro sentimento que não fosse a homenagem nupcial da natureza.
As borboletas perderam-se em uma das moitas mais densas da cerca.
Seguiu-se outra chácara, despida de árvores, portão aberto e ao fundo, fronteando com o portão, uma casa velha, que encarquilhava os olhos sob a forma de cinco janelas de peitoril, cansadas de perder moradores. Também elas tinham visto bodas e festins; o século ainda as achou verdes de novidade e de esperança.
Não cuideis que esse aspecto contristou a alma do cavaleiro. Ao contrário, ele possuía o dom particular de remoçar as ruínas e viver da vida primitiva das cousas.
Gostou até de ver a casa velhusca desbotada, em contraste com as borboletas tão vivas de há pouco arou o cavalo; evocou as mulheres que por ali entraram, outras galas, outros rostos, outras maneiras. Porventura as próprias sombras das pessoas felizes e extintas vinham agora cumprimentá-lo também, dizendo-lhe pela boca invisível todos os nomes sublimes que pensavam dele. Chegou a ouvi-las e sorrir.