Quando o sentido das coisas se esvai, quando meu corpo dói e essa insônia de olhos abertos me assola, faço minha prece ao meu Deus de Letras. Porque, olha só, tá foda.
É difícil listar coisas pois é difícil processá-las. Tenho essas de pesadelos passados, essas vivências que parecem sonho, como quando te pedem para pensar em lugares bons. Tenho essa saudade de sensações, essa falta de significado nas experiências, e até o toque nos copos da casa, a fumaça dos cafés e os beijos dados e não dados perdem a força. Força, talvez seja essa a palavra certa. Ou energia. É como se tudo estivesse desenergizado. E quando se energiza, é sempre carga negativa: do perder, do ganhar e não sustentar, do quanto as coisas que temos são frágeis como plantas no jardim. E esses galhos se quebrando, minha cabeça de quebrando, meus ossos parecendo se quebrar...
A dor da mente é física. Ela se arrasta pelo meu corpo, indo até os dedos dos pés. E eu os mexo, e mexo, e mexo, até que fiquem amortecidos. Até que essa ansiedade se emorteça. Até que minha aparência se emorteça, meus olhos fiquem meio turvos, meu sorriso não se repuxe. Até que minha postura seja forçada: e força, nesse caso é ruim.
Nesses dias, nesses meses, nessa vida, a vida se reduz ao que é ruim. As coisas ruins tomam conta da minha história, em um revisionismo inóspito, onde nada parece realmente crescer. A dor deixa de ser vista como adubo, passa a ser enxergada e experienciada como veneno. As pessoas se objetificam, reificam. Os objetos criam bocas e me contam coisas que eu não quero saber. Minha própria boca fala, sozinha, enquanto meus pés andam por si sós por toda a sala. Se estivessem sujos de tinta, eu já teria pintado todo esse chão. Se tudo o que eu digo se materializasse, o mundo teria cores mais foscas, seria mais violento, seria menos alegre. Os piqueniques no parque durariam segundos. As brigas, horas; e os amores de nada valeriam.
E se já disse que te amava, sei que é verdade. Se já fiz pelos outros o que não faria por mim, carrego as marcas. Carrego também o peso do que não fiz. E se te digo que não é ninguém para entrar em minha casa, para colocar os dedos no suco da minha vida, para deglutir-me sem entender-me, é porque quero que o verme que me devora um dia morra de fome. E se mesmo ali, com as migalhas de lembranças que o dou, ele permanece, se mesmo que a cobra que envolve meu tórax se enfraquece de hora em hora, não vai embora, quem sou eu para dar-lhes sentenças? Se meu corpo não me obedece quando eu digo "levante-se" "durma" "coma" "progrida", como poderei dar algum conselho a alguém?
Se essa dor, que em tese é minha, me domina, quem realmente é dono de quem – quem realmente é parte de quem? Seria eu uma lembrança das minhas memórias, um escravo do meu corpo, que se rebela ao tentar tomar-lhe as rédeas? Estaria a vida me pondo no tronco ou eu mesmo me mutilando? E se me defino como eu, e de mim às vezes mal significo meu nome, como me apresento? Posso me apelidar? Tenho me apelidado? Se quando digo "sou isto, sou aquilo", e descubro que hora sou, hora não sou – não estou sempre me apelidando, dando uma vaga opinião não tão bem embasada sobre aquilo que acho de mim? Se te escrevo cartas, se rasgo as cartas, comunico, de fato, Felipe? Ou José?
E, por fim, por que o amor me sai tão fácil das veias, enquanto esse ódio fica? Um toma o lugar do outro? Um é verme do outro, cobra do outro, um é faceta do outro e a moeda é viciada? Quero a estatística correta.
Se quando digo que quero o bucolismo, no fundo, só queria estar ateando fogo na cidade?
Se digo que te quero, no fundo, digo que bem me quero, ou mal me quero?
Se digo que não digo, assumo: se essas paredes falassem, denunciariam toda a minha farsa tão mal montada de mim.