Tenho várias falas, vários textos, alguns poemas ruins. Tive alguns amores, alguns amigos, fui e um e outro lugar. Já vi alguns poços de perto, já ouvi algumas promessas vazias, já vi gente boa ser ruim. Já senti o peso do "ninguém liga pra você". Já senti o prazer e a liberdade do "ninguém liga pra você". Já fui objeto de riso, já ri; já fui mal, confuso e algoz. Já fui modismo, já fui insanidade, já fui razão cartesiana. Já fui noites em claro e dias dormindo. Já fui ansiedade, já fui calmaria. Já fui apatia e letargia. Já fui doce, já fui rude, já fui cruel. Já fui liberal e autoritário, tudo ao mesmo tempo. Já conversei com Deus e descobri falar sozinho. Já mudei, já troquei de pele, já fui batido na brasa até trocar de forma. Já fui leão, lagarto, rato de cozinha. Já fui taxado de covarde até a última instância e de corajoso à beira do insano. Já vim pra outro lugar, só com esperança no peito. Já fiz loucuras de amor, já conheci mais rodoviárias do que queria, já vi gente que nunca me viu. Já fui ao Rio e em Santos, já fui perto da borda quente da Bahia. Já fui certeza absoluta; já fui dúvida destruidora. Já fui homem e menino e homem de novo. Já quis me isolar do mundo. Já quis me emergir no mundo. Já fui amorfo como fumaça, sólido como gelo, inóspito como um grito.
E agora, tento me descrever. Olhar no espelho e enxergar algo concreto. Tento escrever uma história, aplicar uma física – tudo sem me desmanchar.
Temo o lobo velho que mora nos ombros, falando sobre fracassos. Desprezo-o, encaro-o. Deixo-o faminto e raivoso. Seus olhos pretos e fundos de insônia.
A gente pode, a gente vai.
É hora de pegar a coleira.