Não Cairá

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Acordo com essas lágrimas presas, essa mágoa no peito que vem sem pedir por favor. Pego-me falando sozinho, andando pelos cantos, perdendo meu tempo com algo que sei que não me levará a lugar algum – e demoro a perceber. Quando percebo, este cinzeiro já está cheio, essa casa já parece tão vazia, meu coração está acelerado, rasgado, partido. Percebo que poderia apenas estar bem, e começar o dia com um café, um bom livro, seguir a vida. Fico preso a mágoas que não me trarão nenhum bem, como usuário de droga ruim, como bêbado que, de copo na mão e olhar vazio, alega tão mentiroso que largará o vício. Pego-me em meio a estes objetos, meu quarto antes sem nada e agora tão cheio, minha cama lotada de momentos. E enrolo-me, engulo-os, perco-me de vista dentro de mim.
Ouço Slipknot e sinto entender mais as letras. Mais do que quando era um menino de 12 anos, acuado, com medo do mundo que via pela janela da sala. Aquela imensa casa de classe média, onde misturei Drummond com bandas de metal, onde comecei a escrever, onde escrevi trezentas e oitenta páginas de um livro de fantasia dos dezesseis aos dezoito anos. Agora parece ter sido há séculos atrás. Mas sinto o às vezes, intrincado nas veias, nas olheiras e nesse olhar, nas atitudes que tomei, o quanto isso me formou. Conheço os dois lados da moeda: a piada suja e o papo reto. O amor profundo e a raiva desesperada. O passado, o presente, as expectativas de futuro. O ato de ficar em frente a quatro pessoas, sabendo que iria tomar uma surra. E ficar ali, de pé, encarando-os nos olhos, no dia em que decidi parar de correr. A vida não é uma estrada reta, com acontecimentos igualmente significantes. Ela é uma corda. E em seus nós, nesses momentos de ápice e de decisão, traçamos o que seremos. Traçamos a diferença entre o garoto que se esconde e o garoto que está pronto para encarar o mundo inteiro se preciso for. As decisões que tomei nestes momentos foram decisivas. As que não tomei também. E todas elas estão embaixo dessa pele, dentro dessa história. Quando eu te olho nos olhos e te digo que você não sabe de onde eu vim, é verdade. Quase ninguém sabe. Mas é possível ver essas camadas quando me levanto e te digo que não vou fazer o que você quer que eu faça. Me levanto na cama as três da manhã e vejo os raios da lua entrando no quarto dela. Jack Daniels e bebida ruim, festa de quinze conto e estrada longa. A vida cheia desses nós, nesse quarto de madrugada.
Hoje o mundo não vai cair.

VisceralWhere stories live. Discover now