tenta me reconhecer

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A gente vai casar um dia

  A gente vai casar,  Clara.

   A frase rodava pela minha cabeça em looping enquanto eu sentia que poderia desmaiar sem mais nem menos, meu estômago se revirava. torcia para que eu tivesse me enganado, mas não. Era ele ali em carne e  osso e sorriso igual ao de cinco anos atrás. Sorrindo para uma menina de calça jeans e cabelo colorido, pedindo uma coisa qualquer no balcão. Não era possível. Muito azar para uma pessoa só.

     Acho que fiquei parada por muito tempo na porta do banheiro, uma senhora bem vestida esbarrou em mim e saiu resmungando. Foi aí que eu caí na real. Entrei novamente no banheiro correndo segurando minha bolsa, já pedindo um Uber e em seguida discando o número de Rafael

   Nosso café ia ter que ficar pra outra hora.
 
   Sentei no vaso da última cabine e me analisei no espelho, os cachos caiam pelos ombros, e o vestido um pouco amarrotado mas escolhido minuciosamente para aquela tarde de quinta-feira novamente iria para a gaveta até que o próximo encontro surja, Rafa era um cara legal, engraçado, quando contei que sairia com ele Clarissa quase anunciou para o prédio inteiro que eu  ia desencalhar.

   Sua chamada está sendo encaminhado para a caixa de mensagem...

  Não acredito que Rafael ia me dar um bolo
  Era de se esperar mesmo, com aquela pose de bom moço... Até parece.

Me levantei para esperar o Uber lá fora. Provavelmente o meu pesadelo já deve ter saído porta a fora. Graças a Deus. Clarissa não vai acreditar quando eu contar quem eu encontrei na cafeteria.

   Estava digitando um " desculpa, não pude ir" para Rafael, tentando ao máximo não olhar para os lados quando do nada, uma droga de mochila amarela enorme bateu na minha cara tão forte que meu óculos saiu voando.

  -  Ai, me desculpa me desculpa, você tá bem? Desculpa eu não te vi. Nem sei onde tô com a cabeça.

  Bom eu também nem sabia onde estava a minha.

   Foi o tempo dos meus olhos baterem no cabelo castanho com mechas azuis. Acho que todo mundo ali ia conseguir ouvir meu coração batendo tão forte no peito que doía. Não mais que a minha cara atingida cruelmente por aquela mochila amarela estranha, a dona dela a segurava na frente do corpo, com as sobrancelhas juntas e um olhar preocupado para mim

   - Vamo logo, Maju, vai cair mó...

    Ah não.

    Os mesmos olhos.
    O canto direito da boca subiu, para depois em mostrar o sorriso que eu tanto conhecia.

    - Clara? O que você tá fazendo aqui? - ele se aproximou, me olhando daquele jeito dele. Eu odiava. Um sorriso bem aberto pendurado nos lábios

     meu sorriso sumiu, eu esperava pelo menos um abraço. Coloquei um sorriso falso na cara, ignorando ainda meu nervosismo.

  Meu olhar foi da garota para ele,dele para a garota.

  Ah.
 
  Entendi.

  - Vim tomar café, né? - forcei uma risada

   Ele me olhou de cima a baixo, acho que meio incrédulo, as mãos nos bolsos, a garota dos cabelos coloridos estava com os olhos atentos em nós.

   - Seu óculos! Me desculpa, mesmo, deixa eu achar pra você - Ela tinha uma boca com lábios avermelhados, em formato de coração e unhas pintadas cuidadosamente de vermelho.

  Linda. Ela era linda.

   Suspirei.

    - Ahn... tudo bem, acho que caiu ali...

    A garota Smurfette saiu pela enorme cafeteria e eu ia logo atrás, mas ele agarrou meu pulso.

     - Não acredito que eu vim encontar com você aqui - e deu risada - Você não mudou nadinha.
 
   Nada?
  Nadinha?
 
Decepcionada, eu estava decepcionada, não era assim que eu imaginava a gente se encontrando, já começou errado, no meu sonho a gente se encontrava na escola  onde eu trabalhava e começava se pegando no elevador, e depois...

    - Clara? Tá tudo bem?

  Eu queria morrer. É isso. Alguém por favor me mata agora mesmo.
 
    - O que? Não... Tá tudo bem sim. Ah, você também não, mesma carinha de sempre João, mesma carinha. O que você tá fazendo em São Paulo? Achei que ia ficar lá em Campo Belo pra sempre...

      - Ah, eu passei aqui na PUC, juntei todas as minhas coisas,e cá estou eu.

   Ele encolheu os ombros, com certeza João andava frequentando alguma academia por aí, não lembro desses músculos todos na época da escola.

    - Achei! Ufa,quase que um cara ali pisou, praticamente tirei de baixo do pé dele - A menina do cabelo azul sorriu, o braço de João logo repousou nos ombros magros dela - Vamos?
  Ela disse me entregando o óculos e virando para João.

  Nessa hora eu só queria sumir.
 
    - Obrigada - eu disse, quase inaudível.

    - Bom, eu passei na PUC e a Maju resolveu se mudar comigo, e você Clara? O que tá fazendo da vida?

   ELE MORA COM A NAMORADA? AH MEU DEUS

   - Trabalhando em uma escola de inglês, fazendo psicologia na USP.

   - Uau, parabéns! - Ele sorriu, a menina revirou o olhos discretamente ao ler uma mensagem no celular. Essa situação tá ficando cada vez mais estranha. É melhor eu ir logo - Meu Uber já tá chegando, eu preciso ir. A gente se vê por ai, João. Tchau Maju, obrigada por achar meus óculos.

    Eu fiz a linha plena educada, mas eu só queria chegar em casa logo, me sentir bem frustrada e ser arrastada para algum barzinho por Clarissa. Era só isso.

    - Ei, espera. Faz um bom tempo que a gente não vê, quer tomar alguma coisa? Ou você precisa mesmo ir? - Será que João me acha tão sem graça assim? Pra me convidar pra tomar alguma coisa na frente da namorada? Ai Jesus, mereço.

     - Bob, vamo embora pelo amor de Deus! A Mãe já tá chegando lá em casa!

  Bob.

Só uma pessoa chamava o João de Bob

  Ahmeudeussocéu

    Eu comecei a rir, sem conseguir me controlar. Nos meus pensamentos, claro.

  É claro! Maria Júlia! A irmã mais nova dele!

  Maju do céu. Abençoada e ungida Maju.

Pisquei, eu era mesmo muito burra.

     - Posso cancelar a corrida agora, o cara com quem eu ia me encontrar me deu um bolo, mesmo. - dei de ombros.

     - Maju, vou pedir um Uber pra você, tá? A gente se vê lá em casa pode ser? Avisa pra mamãe que eu encontrei uma amiga da época da escola.

    Maria Júlia das unhas grandes e vermelhas, na boca em formato de coração e o nariz perfeitamente arrebitado estreitou os olhos para nós dois. Me senti um pouco intimidada.

   - aham tá... Já tô pedindo, amiga é? Sei...

    Deu um beijo na bochecha do irmão e um rápido abraço em mim e saiu com um sorrisinho de canto, como se soubesse de alguma coisa que nós dois estávamos de fora.

      -  Quero um café, Jão, que nem os velhos tempos.

  Ele sorriu até os olhos castanhos ficarem menores. Do jeito que se deve sorrir para alguém. Há cinco anos atrás eu derreteria ali mesmo.

 

  

   

 

 

   

Todas as Palavras Que Não Foram DitasOnde histórias criam vida. Descubra agora