DOIS | FERNANDO

7.7K 1.4K 145
                                    

— Eu vou acabar com essa infeliz. — Meu grito saiu com o barulho do vidro espatifado do copo que arremessei contra a parede. Franco, meu advogado se encolheu me assistindo perder a cabeça. Dificilmente saio dos eixos e ele sabe disso. Me ver estourando era uma novidade.

Leticia achou que era uma boa ideia acabar com o casamento justo dois dias depois de eu ter autorizado uma grana preta, que ainda desconheço o valor total, para a porra do matrimonio. Ainda por cima fugiu com um filho da puta. Se não bastasse me dar um pé na bunda e roubar meu melhor peão, ainda me fez de corno. É um caralho gigantesco ter que superar isso depois que a mídia carniceira descobrir. O ódio me alfineta mais uma vez só em pensar que ela foi capaz de jogar meu nome na lama.

Era tudo um plano da minha parte, confesso. Eu iria obrigar Leticia a assinar um contrato pré-nupcial de seis meses apenas. Eu daria a sociedade um evento histórico, daria a meu pai o que ele deseja, e, no futuro, usaria isso para dizer que não queria saber de casamento tão cedo. Eu seria o divorciado traumatizado.

Era um esforço que eu estava achando compensador. A vice-presidência da Capello era tentadora e eu teria o prazer de tirar o Miguel de lá. Agora me vejo em um mar de confusão sem saber como avisarei a meu pai que não haverá mais casamento. Apenas disse que foi adiado, mas em breve ele conhecerá a noiva?

Que noiva? Que porra de noiva eu iria apresentar?

A danada da vadia ferrou com meus planos. Estava fodendo com meu funcionário, debaixo das minhas fuças. Remoer sobre isso, só atiçava ainda mais minha fúria.

Essa merda só não era mais triste que cuscuz cair no fundo da cuscuzeira.

— Fernando, estamos em contato com os pais do Thiago...

— Não vou dar trela pra essa gente — Rugi, apoiando com as duas mãos na mesa, de costa para Franco. — Não quero mais ouvir falar desses desgraçados. — E não queria mesmo. Era bonita, gostosa, e seria a promessa de paz na minha vida pelos próximos meses. Mas não valia meu estresse. Repensei e me analisando interiormente não vi espaço para desejo de vingança. Passei a mão no rosto e me virei para ele. — O valor que eu paguei... ela levou esse dinheiro?

— Não acredito que ela tenha te roubado. — Ele foi sucinto ao afirmar — A agência de eventos que ficou a cargo de cada pequeno detalhe. Tratei diretamente com a gerente e cerimonialista.

— Você foi um belo de um amigo em aceitar um casamento tão caro — Ironizei — eu disse que seria algo simples, de fachada.

— Se saiu na chuva tinha que se molhar, Fernando. A mídia não espera nada menos que um espetáculo para seu grande dia. Você seria o primeiro herdeiro homem a se casar.

Mais calmo, me sentei para raciocinar. Agora era seguir a vida. Eu ia encerra de uma vez por todo esse circo, ligar para meus pais contando tudo e só então deixaria escapar para a mídia. Por sorte eles não tinham nada sobre Leticia, sabiam apenas que eu me casaria e estavam atiçados de curiosidade para ter algo sobre a tão sortuda noiva. Teriam quando eu quisesse.

Eu já começava a dar adeus a vice-presidência que deveria ser minha por direito. Por sorte, eu amava estar nessa fazenda cuidando da parte pecuária e decidi que iria apenas seguir em frente.

— Certo. Me passe as planilhas de gastos, vou ver o que dá para recuperar.

— Claro. As roupas de padrinhos, sua roupa... nem foram usados, eles podem conseguir anular. Ou pagar apenas a reserva.

— Isso. Me traga a responsável por esse maldito casamento, quero analisar essa planilha na presença da agenciadora — Acenei para Franco. — Me largue de mão.

Ele saiu e de olhos fechados massageei as pálpebras. Mas que porra! Eu, Fernando Capello perder para um peão.

A porra da enxaqueca ameaçava atacar. Recusei uma dose de bebida com um olhar, fiquei de pé e olhei pela janela contemplando a vista que sempre me fez relaxar. Minhas terras, até onde a vista alcança. Estou na fazenda sede aonde passo a maior parte do tempo gerenciando os negócios bovinos.

Os queijos, iogurtes e demais produtos da marca Capello são os mais aclamados no mercado e hoje já exportamos para outros países, o que nos coloca em um destaque invejável. Já fui em congressos pecuarista fora do país, costumo dar palestras sobre progresso empresarial sem ferir o ambiente, sem contar toda a questão de filantropia que a marca da minha família apoia.

Aquela maldita cadeira de vice-presidência deveria ser minha e não do Miguel.

Ofeguei me convencendo a superar esse assunto da vice-presidência. Mas o recente golpe, ainda era difícil digerir.

Aos trinta e cinco anos não sou homem que tolera chacota com minha cara. Como Leticia acabou de fazer.

Mas também não sou homem que encuca com pouca merda. O pé na bunda já foi dado e segue o barco. Não vou me aprisionar a isso.

Em um rompante, peguei meu chapéu, enfiei na cabeça e assim que saí na porta da gigantesca casa, um dos meus homens me avistou e atendeu meu chamado.

— Patrão. — Cumprimentou assim que chegou perto, em seu cavalo.

— Tarcísio, traga meu cavalo. Vou dar umas voltas.

— Sim senhor. Eia! — Gritou e saiu galopando rumo ao haras.

Putão é um manga-larga negro reluzente da crina esvoaçante. O bicho é enorme, imponente e valente. Combina perfeitamente comigo, o único autorizado a monta-lo. Até porque ele não obedeceria a qualquer outra pessoa. É meu de estimação e só ele me entende, e vice-versa. Quando monto nele é como uma extensão de mim, é como se nos compreendêssemos e nada mais importa.

Tirei a camisa ficando apenas com camiseta branca regata, jeans e botas de montaria. Montei nele e ao pequeno sinal da minha boca, seguiu trotando sem precisar aperta-lhe com as esporas.

Correr pelas estradas, passear pelo pasto e verificar os currais e o gado sempre me deixou tinindo, de alma lavada e não foi diferente dessa vez. O ar livre, a fazenda colossal tem o poder de tirar qualquer merda da minha mente.

Eu até sorrio olhando as serras ao longe.

Parei em baixo das árvores do pomar, chupei manga que eu mesmo arranquei, descansei enquanto matutava que planos eu faria e o que diria aos enxeridos que viessem saber do fim do casamento.

Em segundos já tinha tudo planejado. Seria mais uma merda da qual eu escaparia.


[AMOSTRA] DOCE DOMÍNIO | Dinastia Capello 01Onde histórias criam vida. Descubra agora