16. Café-da-manhã

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Nunca usei drogas ilícitas, mas a sensação de euforia provocada pela paixão parecia semelhante ao seu uso. Coração acelerado, mãos sudoreicas, mente trabalhando a todo vapor, pouco sono e muita disposição. Foi desse jeito que me senti quando me dei conta que o dia havia amanhecido. Eu queria correr para o quarto da minha mãe assim como fazia nas manhãs de natal, só que dessa vez o presente que me esperava lá era outro. Decidi não fazer isso, seria péssimo parecer desesperada assim logo cedo. Fui então para a cozinha preparar um típico café da manhã americano que eu sabia que Isaac adorava.

Ovos mexidos, bacon, torradas, panqueca, suco, leite, café, frutas, pus tudo à mesa e esperei Isaac acordar. A quantidade de comida serviria um exército, mas como eu disse, eu estava eufórica demais para fazer algo simples. Isaac continuava dormindo, eu não o culpava, a noite anterior tinha sido longa, por isso fui tomar banho e me arrumar para o estágio no The Coppola. Voltei para a cozinha vestida em uma calça jeans rasgada nos joelhos, uma camiseta azul Tiffany e o all star do dia anterior. Prendi meu cabelo em um coque bem arrumado, caprichei um pouco mais na maquiagem e coloquei meu par de argolas prateadas.

A mesa ainda estava intocada quando o relógio marcou 07h da manhã, iríamos chegar atrasados. Fui obrigada, então, a acordar o "belo adormecido" e assim eu fiz dando batidinhas na porta e depois entrando lentamente no quarto. Me assustei ao ver a cama bem arrumada e nem sinal de Isaac por lá. Ele apenas deixara um bilhete no criado mudo com os dizeres:

"Fui para casa, não quis te acordar.

Até mais, Isaac."

Alguém havia me atirado numa piscina de gelo ou era assim que eu me sentia quando li as palavras frias daquele bilhete. Isaac foi embora sem nem se despedir depois de tudo que aconteceu noite passada. Eu poderia pensar que ele tivera um imprevisto, uma emergência no trabalho, mas sabia que no fundo ele não queria me encarar. Eu só não entendia o porquê se ele parecia tão entregue quando nos beijamos. Seria algo que eu tinha feito? Nada fazia o menor sentido.

Eu deveria ter previsto que algo desse tipo aconteceria, não era possível que eu me sentisse tão feliz por tanto tempo, nunca era assim, felicidade demais era contra o equilíbrio da minha vida. Guardei algumas comidas do café da manhã, joguei fora outras, não consegui comer nada e segui para o The Coppola. Tentei mergulhar ao máximo no meu trabalho e essa era uma habilidade que eu tinha: concentrar o excesso de sentimentos bons ou ruins na cozinha. Ninguém parecia notar que embora eu parecesse uma máquina em bom desempenho, por dentro eu estava quebrada. Distribuí sorrisos falsos, conversas vazias e disfarcei ao máximo. Contudo, à medida que se aproximava o horário de ir para a construtora, meu semblante decaía, só me dei conta disso quando Justin veio em minha direção.

- Julia, está tudo bem? - Ele perguntou.

- Sim, está, por que não estaria? - Disfarcei.

- Você está cortando os legumes como se fossem seus inimigos.

- Só quero adiantar o prato da mesa 08. - Disse enxugando as gotas de suor que se formavam em minha testa com a manga do uniforme de chef.

- Adam, cobre a Julia aqui, por favor - Justin disse ao outro estagiário do restaurante - Você vem comigo, preciso da sua ajuda para separar alguns alimentos da despensa - Ele se dirigiu a mim.

Obedeci meu chefe seguindo-o até a despensa abarrotada de produtos. Ele falou que minha tarefa seria olhar a validade dos produtos e descartar aqueles que já tivessem vencido. Revirei os olhos porque preferia estar na cozinha, mas não contestei, fiquei em silêncio examinando os potes de manteiga de amendoim. Enquanto isso, senti os olhos de Justin sobre mim, ele parecia me examinar tão atentamente quanto eu examinava as embalagens.

Acordo e desacordo - EM HIATUSOnde histórias criam vida. Descubra agora