Prólogo

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  — Quer café? — Perguntou sua mãe, lhe oferecendo a garrafa vermelha. Quênia era uma mulher bonita, com brilhantes cabelos negros, olhos claros e um sorriso que aquecia o coração.

  Elizabeth fez uma careta e negou com um aceno. Só de pensar no gosto de café seu estômago embrulhava, não conseguia entender como sua mãe e Jane gostavam tanto daquela bebida amarga.

  — Henry ligou hoje — disse Quênia enquanto cortava um pão ao meio —, disse que adiantou o casamento para janeiro.

  Lizzy olhou para ela.

  — Mas janeiro é mês que vem.

  — Pois é, falei isso para ele, mas seu irmão não me escuta. Diz ele que a mãe da... — Parou, como se tivesse se esquecido do nome de Linda. A rixa entre Quênia e a família da noiva de Henry era antiga, Lizzy nem conseguia se lembrar da última vez que ouvira a mãe dizer o nome dela. — A mãe da moça sonhou que a filha se casava em janeiro, então vai ser assim.

  — Então tem que comprar as passagens logo — disse Jane. — Antes do natal, porque senão ficam mais caras.

  Enquanto a mãe e a irmã continuaram conversando, Lizzy comeu, imersa nas lembranças do sonho anterior. Sonhara com uma memória antiga, de quando ainda morava em uma casa grande na Inglaterra e brincava com os irmãos de guerra de bola de neve. Mas, no sonho, borboletas azuis dançavam ao seu redor enquanto ela corria e ria. Fora um sonho bom, mas a fez sentir saudades dos irmãos mais velhos.

  Empanturrou-se de pão, leite e iogurte, e ainda sentia fome para devorar um frango inteiro. Comia o sexto pão de mel quando Jane se levantou e foi para o trabalho, e sua mãe avisou que estaria no quarto caso precisasse de algo.

  — Talvez eu vá na casa de um amigo hoje — disse Lizzy, cautelosa, enquanto Quênia se levantava.

  Ela cruzou os braços e colocou sua expressão de mãe protetora no rosto.

  — Conversamos sobre isso mais tarde, ok?

  Lizzy concordou com a cabeça. Não estava ansiosa para ir fazer o trabalho com David, mas pelo menos não precisaria copiar as treze folhas sozinha. Ele não era bem um amigo, estava mais para conhecido, mas não precisava mencionar isso.

  Ouviu os passos da mãe na escada e uma porta se fechando. Então pegou seu celular do bolso, e bem na hora ele tocou. Era Caty. Tomou um gole de leite antes de atender.

  — Liz? — A voz de Caty soou do telefone. — Pode vir aqui na lanchonete? Preciso te contar uma coisa.

  — Não pode contar por telefone?

  — Não — a amiga respondeu como se aquilo fosse a coisa mais ridícula que já escutara. — Preciso te mostrar, tem que ser pessoalmente.

  Suspirou. Pretendia passar o resto da manhã lendo coisas aleatórias na internet e depois dormiria até a hora de ir para a casa de David, suas pernas ainda doíam dos exercícios de ontem. Mas por fim acabou cedendo.

  — Tudo bem. Vou daqui a pouco.

  Ouviu o início de uma resposta de Caty, mas o celular descarregou antes que ela terminasse. Lizzy guardou o aparelho no bolso e colocou a louça na pia, anotando mentalmente que lavaria mais tarde.

  Até mesmo subir as escadas era algo difícil para suas pernas doloridas, tudo o que mais queria agora era sua cama, quente e confortável. Xingou-se mentalmente pela escolha que fizera. Devia ter dito não a Caty, mas tinha um fraco sempre que alguém lhe pedia algo.

  Colocou seu celular para carregar, fechou a janela e foi até o quarto de sua mãe para avisá-la que iria sair.

  Bateu na porta e a chamou. Ela não respondeu, então Lizzy bateu de novo. Bateu mais algumas vezes mais não obteve resposta, então decidiu sair assim mesmo. Desceu as escadas o mais rápido que as pernas podiam. Pegou as chaves no criado mudo ao lado da porta, onde uma vela acesa derretia perto da cortina. Lizzy pensou em apagá-la, mas se alguém a acendera tinha um motivo.

  A rua estava calma e o dia estava quente, com um céu sem nuvens e um sol brilhante. A lanchonete não ficava tão longe, só tinha que virar duas esquinas e passar pelo porto.

  — Demorou — Caty disse quando Lizzy se sentou no banco em sua frente.

  — Desculpa se alguém quebrou minha bicicleta.

  — Já falei que a culpa foi do Nicholas — Caty se defendeu. — Mas não é sobre isso que quero falar. — Ela estendeu a mão na mesa, mostrando a Lizzy o brilhante anel prateado.

  Lizzy arquejou e pegou a mão da amiga, virando-a de um lado para o outro, tentando ver o anel de todos os lados. Era bonito e simples, pequeno e delicado.

  — Barth me deu ontem, nessa mesma mesa — Caty explicou. — É bonito, não é? — Tirou o anel do dedo e o colocou na mão de Lizzy.

  Por dentro, em uma letra cursiva e pequena, estava escrito "Bartholomeu". Lizzy riu, como sempre fazia quando se lembrava que era esse o nome do namorado de Caty.

  — Para de rir — a amiga a repreendeu, divertida. — Lembra quando você ficava com aquele Podrick? Eu não ficava rindo.

  — Mentirosa — disse Lizzy, ainda tentando parar de rir —, você ria sempre que ele ia embora.

  Caty abriu a boca para responder, mas a sirene de um carro dos bombeiros que passou correndo pela rua a interrompeu.

  Lizzy franziu o cenho. Raramente havia alguma emergência naquela parte da cidade, os bombeiros só eram chamados ali para resgatar o gatinho da Sra. Kestown que sempre subia nas árvores, mas nunca ligavam a sirene para isso.

  Caty agarrou sua mão, já de pé.

  — Vamos ver o que é.

  Elizabeth deixou ser guiada pela amiga rua abaixo, enquanto outras pessoas curiosas também seguiam a sirene.

  O que aconteceu depois que saíram para a rua se transformou em um borrão para Lizzy, dias depois. Mas ela se lembrava de ter virado uma esquina e se deparado com sua casa no fim da rua, sendo engolida por labaredas de chamas e uma aglomeração crescente de pessoas a cercava. Lembrava-se de ter corrido até lá e de ser barrada pelos braços fortes dos bombeiros.

  — Não houveram sobreviventes — um deles dissera quando ela balbuciou perguntas. — Foi uma vela. Uma vela causou o incêndio.

  Lizzy lembrava-se de ter caído no chão, chorado e gritado, ralado os joelhos e implorado. Mas nada disso trouxera sua mãe e sua casa de volta.

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