— Como vai Katy? — Cindy perguntou. Ela era uma mulher bonita, de traços delicados e nariz empinado, Caty havia herdado muito dela.— Vai bem — Lizzy respondeu. — Ela e tio Michael viajaram hoje de manhã.
— Sério? Pra onde?
— Bakersfield, na California. Parece que é aniversario de algum parente do meu tio ou algo assim.
Cindy concordou, e o resto do trajeto foi em silêncio.
Lizzy observava as luzes brilharem contra a escuridão e as casas grandes e rústicas, depois essas diminuíram até serem substituídas completamente por árvores e a estrada passou a ser mais reta. Um relâmpago iluminou o mundo por um instante e um último trovão ressoou, a chuva finalmente caiu, com as gotas batendo insistentes nos vidros do carro.
Chovia forte quando chegaram em Salem, as janelas do carro embaçadas impediam Lizzy de ver a paisagem, e Cindy tinha que limpar o retrovisor constantemente. Só depois que o carro foi estacionado na garagem é que as duas saíram, Cindy reclamava do trânsito enquanto adentrava uma porta azul bem escondida pela bagunça. Lizzy foi atrás dela.
A porta dava para um corredor, que levava até uma escada onde tinha outra porta, e essa dava para a sala. A casa não mudara nada desde a última vez em que estivera nela, os moveis modernos e confortáveis, com armários planejados e eletrodomésticos caros. Nas paredes, quadros coloridos eram expostos, todos com a assinatura de Cindy.
— Caty está no quarto — Cindy avisou.
Lizzy não esperou que ela dissesse duas vezes, subiu rapidamente as escadas de madeira e atravessou o corredor. A porta do quarto de Caty continuava a mesma, com posters de artistas e séries que a menina gostava. Lizzy bateu três vezes na porta e, quando ia para a quarta, uma figura média apareceu.
Caty trajava um vestido azul claro e meias brancas até a altura dos joelhos, seu cabelo colorido havia sido preso em duas tranças embutidas.
— Achei que não ia chegar nunca — disse ela, puxando Lizzy para dentro e fechando a porta.
Lizzy sentou-se na cama e tirou a mochila das costas. Passou os olhos pelo quarto, percebendo que algumas coisas tinham sido mudadas. A escrivaninha, que antes ficava sob a janela, agora ficava na parede oposta, e o guarda roupa, ao lado da porta. Os pôsteres dos artistas que Caty gostava — Melanie Martinez, Lana Del Rey e Aurora — tinham sido trocados de lugar também, agora ficavam em volta do espelho.
— O trânsito estava ruim — Lizzy explicou.
— De quem é essa blusa? É muito grande pra você. — Caty perguntou, franzindo as sobrancelhas. A garota parecia conhecer todas as roupas de Lizzy e sempre sabia quando ela comprava novas.
Lizzy mordeu o lábio, pensando se devia ou não contar sobre o garoto desconhecido para Caty. Por fim, resolveu que contaria, não tinha nada a esconder da amiga.
Caty riu quando ela terminou de contar o acontecido. Lizzy contou a partir do momento em que saiu da escola até a conversa que teve com Susan no Lance's.
— Parece uma fanfic — Caty disse, rindo. — Me convida pro casamento, tá?
Lizzy revirou os olhos, a amiga fantasiava seu casamento com qualquer um que a visse conversando, mas nunca dava certo.
— E que cara de pau essa Susan — continuou —, eu teria vergonha até de olhar na sua cara, se fosse ela.
— Eu nem consigo acreditar que ela me pediu pra voltar — Lizzy respondeu, pegando sua mochila e a colocando no colo. Abriu o bolso maior e pegou seu celular e o carregador, então o conectou na tomada e colocou o aparelho para carregar. — Posso colocar meu uniforme pra lavar?
— Pode sim — Caty respondeu, indo até o guarda roupa e escolhendo entre as inúmeras roupas de tons claros. Por fim, escolheu um vestido de mangas curtas e tirou-o do cabide, uma das únicas peças escuras. — Ganhei esse daqui de aniversário, mas ficou grande demais, talvez sirva em você.
O vestido era bonito, com um decote nos seios e na cintura, parecia formal demais para se usar em casa, mesmo assim, Lizzy levantou-se e o pegou, agradeceu e foi direto para a lavanderia. O lugar ficava no térreo e não era muito grande, a máquina de lavar, a secadora, o cesto e uma lixeira eram as únicas coisas que ocupavam o chão. Já nas paredes, algumas prateleiras sustentavam frascos com amaciantes e sabões.
Lizzy tirou sua roupa lá mesmo, o casaco azul, a saia preta e a blusa branca do uniforme, ficando só de roupas íntimas. Um arrepio frio passou pelo seu corpo e ela rapidamente colocou o vestido de Caty.
Abriu a máquina de lavar e revirou os bolsos das roupas, como de costume. Nos bolsos internos da saia achou algumas moedas e uma nota amassada de um dólar, nos da blusa achou um bilhete e uma tampa de caneta mordida. Franziu o cenho e abriu o bilhete, não se lembrava de como aquele papel amarelo chegara ali. Passou os olhos rapidamente pela caligrafia puxada de Susan e revirou os olhos; era o bilhete que a ex-namorada a entregara no dia do término, em letras quase ilegíveis de tão pequenas, lia-se:
"preciso falar com você, é urgente.
Ass: S".
Lizzy suspirou ao lembrar-se do encontro na antiga pista de skate, onde Susan a contou sobre a traição e pediu perdão. Jogou o bilhete e a tampa no lixo e colocou o uniforme na máquina. Depois, lembrou-se do casaco azul emprestado e resolveu lavá-lo também, para que o entregasse limpo. Seu orgulho gritou para que não fizesse aquilo, lembrando-a de como o garoto fora grosso com ela, mas acabou que cedeu para a educação, que a dizia que devia ao menos fazer isso para agradecer pela gentileza.
Pegou o casaco e enfiou a mão no bolso esquerdo, puxando algumas embalagens de bala e alguns papéis amassados. Largou a roupa em um lado e desamassou os papéis, um por um. Um deles era uma multa de trânsito de dois anos atrás que fez Lizzy se perguntar há quanto tempo aquilo não era lavado, as informações de placa e modelo do veículo estavam riscadas, mas dava para ler que era um carro preto. O outro papel era um cupom fiscal de uma lanchonete que Lizzy conhecia, ele tinha comprado uma lata de Pepsi e dois cafés; aquilo a fez esboçar um sorriso de desgosto. Desamassou o último, um papel menor que ela logo percebeu ser um bilhete.
Querido Caesar,
Agradeço pelo presente e sinto muito pela sua irmã. Sophia era muito querida para nós, Peter e John estão inconsoláveis. Espero que sua mãe
recupere-se logo.P.S: fique atento que vou te ligar para dizer algo importante.
De sua querida tia,
Joanne.Lizzy amassou o papel novamente, sentindo-se culpada por ter invadido a privacidade dele. Agora sabia o nome do desconhecido que emprestara o casaco a ela: Caesar. Lembrou-se do papel com o número de telefone dele e pensou em perguntá-lo sobre a irmã, mas rapidamente tirou a ideia da cabeça quando se deu conta da indelicadeza que seria.
Mergulhou novamente a mão, dessa vez no bolso esquerdo, e sentiu algo frio contra a sua pele. Também ouviu um tilintar suave e familiar, puxou o objeto e sua boca se escancarou. O molho de chaves da casa de seus tios estava ali, em sua frente. O mesmo que a causara tanta dor de cabeça naquele dia horrível, o motivo por aquele casaco estar em suas mãos. Analisou todas as chaves do punhado apenas para ter a certeza de que realmente lhe pertenciam. Eram sete ao todo, e Lizzy reconheceu todas.
Enfiou novamente a mão para ter a certeza de que não restara mais nada nos bolsos, jogou a roupa junto ao uniforme dentro da máquina, ligando-a e observando a água encher lentamente. Saiu da lavanderia mais confusa do que entrou, sua cabeça martelava em dúvidas que só seriam respondidas se ela falasse com o dono do casaco.
Não pensou duas vezes antes de subir rapidamente as escadas e entrar no quarto de Caty, onde seu celular carregava. Para sua sorte, a amiga não estava lá. Desbloqueou o aparelho depressa, sua senha era fácil para ela e difícil para os outros: 1571, o ano em que nascera seu pintor favorito. Tirou da mochila também o papel com o número do desconhecido em uma caligrafia arredondada, discou os sete dígitos no telefone e ligou.
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Efeito Borboleta
RomanceApós a morte de sua mãe, Isabel Montes saiu de sua pacata cidade no interior de Minas Gerais para morar com seus tios na capital, o que transformou sua vida de ponta cabeça. Recém-saída de um namoro longo que terminou com uma traição, tudo o que Isa...