17 | CARMESIM ÉBRIO

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Um pouco de calor havia surgido no início de tarde em plena sexta-feira.

Eram os últimos raios solares que veríamos no ano, porque os demais meses estavam preparando uma delícia gelada para o restante dos feriados. Era uma sorte grande ter um pouco de solzinho em setembro, mas não estávamos ansiosos para receber o frio constante, ainda mais com as provas chegando.

Mas a semana havia acabado. Só voltaríamos a pensar em aulas na segunda, logo precisávamos aproveitar a sanidade que nos sobrara. Por isso eu, Shelby e Gwen nos encontramos no jardim detrás do prédio de Literatura, próximo da passarela que dava à biblioteca do nosso instituto. Muitas pessoas gostavam de passar ali para fumar, tocar violão, conversar ou estudar antes das provas, tanto que o espaço ficava sempre cheio. Era ótimo, porque podíamos simplesmente nos camuflar.

Subimos em um dos bancos de concreto perto de enormes árvores e acendemos um baseado. Shelby era especialista em andar com vários prontos dentro de uma caixinha de metal. Embora fosse absurdo pensar em fumar em plena luz do dia, no meio de outros estudantes e até professores que perambulavam por ali, era tradição que chegássemos naquele jardim e ficássemos chapados por tabela.

— Aqui — Shelby me entregou o cigarro. Ela estava com um moletom dez mil vezes maior que seu número, mas, por acaso, combinava muito bem com seu estilo. Sua pele negra dessa vez estava maquiada, e era um milagre vê-la assim, sendo que ela nunca passava nada no rosto nem quando se tratava de festas.

Dei uma tragada. Uma calmaria subiu pelo meu umbigo e roçou no fundo da minha garganta. Tossi e cobri a boca com as costas da mão em seguida. Shelby virou seus olhos atentos para mim. Eu sorri, mostrando que estava bem, e tragei novamente.

— Quer? — apontei o cigarro para Gwen.

Ela procurava alguém pelas pessoas que passavam. Estávamos a alguns centímetros acima de suas cabeças, considerando que havíamos subido no banco, então era fácil encontrar qualquer um. Mas ela estava em uma tarefa difícil, pois seus olhos corriam sem achar ninguém.

— Não, eu não fumo — ela dispensou, retomando a atenção na gente. Ela tirou uma garrafa térmica da bolsa, daquelas que levávamos chá quente ou algo assim, e desrosqueou a tampa. Deu um gole e, graças à careta, eu já sabia o que ela havia escondido ali.

— Sua pilantra — falei e rapidamente tomei a garrafa de sua mão. Virei o conteúdo goela abaixo. Minha garganta estava seca, mas a chama da bebida se fundiu com minhas células. Entreguei o baseado para Shelby e fechei os olhos por um breve momento para ter a pele adocicada pela quentura.

— Acho que vai ter festa hoje — Shelby estava abraçada a um galho de árvore que inclinava sobre nossas costas. Ela segurava o cigarrinho com as pontas dos lábios, e eu estava com medo que ela derrubasse a obra prima.

— Quando não tem? — Gwen riu. Ela não tirava seus olhos claros das pessoas que passavam.

Meu subconsciente sorria de forma aleatória. Eu não conseguia acompanhar ninguém, tampouco minhas amigas. Shelby falava, mas eu só via o movimento da sua boca, sem que as palavras fizessem algum sentido. Gwen, bebendo do vinho, revirava seus olhos para as diferentes silhuetas que se encontravam naquele ambiente, mas perdida no meio dos próprios pensamentos.

— O que será... o que será que ela está vendo? — Shelby me cutucou com um galho que estourou em sua mão segundos depois. Ela deu um gritinho. Nisso, eu tive tempo de observar com atenção a loira de óculos que estava ficando na ponta dos pés para achar alguém. 

— Um namorado? — tentei.

— Ela não namora — Shelby me cutucou de novo.

— Então a Naomi. Não é a amiga de quarto dela? — falei, pegando o baseado de volta. Eu sentia meus lábios dormentes, e estava achando muito engraçado a forma com a qual Gwen estava tão inquieta, mas sabia que era errado.

Hello Darkness | Romance Lésbico (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora