VII. Não consigo evitar me apaixonar [part. final]

9 1 0
                                    

Ana: Isso mesmo que o senhor ouviu. Desde o momento que entrei nesta sala o senhor vem distorcendo tudo o que digo. Isso pra não falar que meus direitos estão sendo violados. Ao que me consta, meu advogado não está nesta sala. Ou está?

Escrivão: Seu Delegado, ela tá certa. É melhor o senhor deixar ela chamar o advogado e fazer o pedido formal.

Delegado: Ordem judicial? Mas isso seria muito trabalhoso.

Ana: Espera aí! Então quer dizer que esse depoimento  ainda por cima é ilegal?

Delegado: Ilegal não. Você veio por livre e espontânea vontade narrar os fatos do acontecido no no...

Escrivão: Na tentativa de assassinato, senhor.

Delegado: Tentativa de assassinato da filha do senador! Isso!

Ana: Olha aqui, acho bom da próxima vez fazerem isso pelas vias da lei e me assegurarem o direito de ter ao meu lado o meu advogado. Caso contrário vou acionar a corregedoria e dar um jeito do senhor ser preso. Vou-me embora. Não fico aqui nem mais um minuto. Cadê minha bolsa?

Delegado: Vá, Fonseca. Dê a bolsa da mulher. 

     Ana confere se estão seus documentos e celular dentro da bolsa. Ela sai da delegacia bastante irritada e esbarra numa jovem de olhos amendoados e longos cabelos negros e encaracolados que vinha andando de bicicleta.

Telma: Desculpa.

Ana: Tudo bem. Eu que estava irritada com o delegado. Aquele grande filho da puta me fez fazer papel de idiota. Acredita que depois de me arrastar até aqui, e não me permitir chamar meu advogado, ele ficou induzindo o meu depoimento o tempo todo e distorcer tudo o que eu dizia numa tentativa infundada de me fazer parecer suspeita na tentativa de assassinato. Dá pra acreditar?

Telma: Isso é mesmo horrível. Aceita tomar um café no Méqui aqui ao lado? Pra me falar melhor sobre esse delegado....

Ana: Foi mal. Mas ainda tenho que ir buscar meu irmão de carro no hospital. Ele socorreu a filha do senador Praxedes.

Telma: E a Brigida está bem?

Ana: Conhecia ela?

Telma: Não, mas é que saiu o nome dela no jornal. Imagino que sejam próximas.

Ana: Que nada! Só fui cantar na festa dela. Vou indo. Foi bom te conhecer.

Telma: Telma. Me chamo Telma.

Ana: Prazer em conhecê-la. E a propósito, sou Ana.

***

     Fernando segurava e acariciava a mão de Brigida que estava sonolenta por causa da quantidade de medicamentos que tomou no pós-cirúrgico. Felizmente, a bala atravessou  sem maiores danos. O que facilita o processo de recuperação.

Fernando: Fico mais tranquilo em saber que vai ficar bem. Foi tudo tão rápido. Pensei que fosse te perder antes mesmo de te ter. -olha o relógio na parede- Não sei se seu pai lhe disse, mas... O cara que atirou em você já foi preso. Estão investigando quem foi o mandante. Espero que descubram logo. Nem sei o que falar nessas horas. Tipo, tá um dia lindo lá fora. Bem quente até. E Wanda Vision começa a segunda temporada amanhã. Eu nem sei se gostas da Marvel. Na verdade não sei quase nada sobre ti. Então vou parar de te encher o saco. Fica bem logo. 

      Ele deu um beijo em sua testa e saiu do quarto de hospital. Ao chegar na saída encontrou uma carteira perto dos arbustos onde haviam algumas bitucas de cigarros. Abriu para ver se havia alguma identificação e viu que pertencia. Era a carteira de uma mulher chamada Telma Aguiar. Lá também havia a foto desta mulher com o senador anos mais jovem e por isso ao encontrar o senador na cantina do hospital foi falar com ele.

  Fernando: Senador, penso que encontrei a carteira de alguma amiga do senhor.

 Senador: Me deixe ver, rapaz...

        Fernando entrega a ele a carteira e quando o velho vê os documentos, seu rosto empalidece. Era seu antigo amor. A verdadeira mãe de Brigida que havia partido ao nascer de sua filha por pressões da família do senador Praxedes que não aceitava que uma mulher negra atrapalhasse o futuro político dele. Foi como se tudo o que eles passaram na juventude tivesse voltado naquele instante. As lembranças de amor e sofrimento, as brigas, o preconceito que ela havia sofrido sem que ele em sua covardia interviesse. O resultado de tudo isso foi a vida vazia que ele teria a partir daquele abandono em diante e o único laço que os unia. Brigida.

       Os olhos do senador se enchiam de tristeza e arrependimentos. Enquanto isso, adentrado o hospital vinham Telma e Ana que acabaram por tomar rumos diferentes. Telma ainda guardava sua bicicleta com cadeado no estacionamento e por isso entrou depois, Ana por outro lado foi direto ao quarto de Brigida  a aproveitar o fato de que não havia ninguém lá.

       A moça dormia após tomar alguns medicamentos intravenosos. Ela tinha de ser rápida. Levantou a perna da calça e tirou uma seringa cheia de uma bolsinha amarrada a sua perna e injetou na bolsa de medicamento para não levantar suspeitas. Como ela usava luvas de motoqueiro, não deixaria digitais. Assim que terminou, tratou logo de sair dali. Uns minutos depois, entra no quarto a Telma, que em nada tinha percebido o que se passava com a filha por anos abandonada.

       Ana manda um sms pro seu então irmão Fernando para se encontrarem na entra saída do hospital, na área das ambulâncias. Este por sua vez trata logo de se despedir do senador Praxedes e ir ao encontro dela. Juntos pegam estrada na motocicleta, rumo a um lugar distante onde se amam como homem e mulher, felizes por terem cumprido com a vingança que prometeram no leito de morte da mãe do Fernando que anos atrás havia sido trocada pela Telma com um filho pequeno para criar. A mesma Telma que abandonou a filha e marido e que agora provavelmente seria acusada de ter matado a própria filha.


50 Histórias para ler antes de dormirOnde histórias criam vida. Descubra agora