Prólogo

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Chuck's POV

Olho à volta. Não faço a mínima ideia de onde é que estou. Não reconheço nenhum dos recortes da fisionomia das árvores, não reconheço as raízes que saltam do chão, não reconheço a humidade da terra que me cobre o corpo. Levo a mão à nuca ao sentir a dor. Sinto o quente viscoso do sangue a encher-me as pontas dos dedos e a invadir a parte de baixo das unhas. Não consigo pôr-me de pé. Estou demasiado tonto. Recosto-me devagar no tronco atrás de mim. Sinto as rugosidades da casca a cravarem-se dolorosamente nas minhas costas. Sinto-me bem. Pelo menos sinto.

Sou de novo despertado pelo toque alucinado do meu telemóvel. Abro os olhos. Já está escuro. Quanto tempo terei dormido? Procuro o ecrã luminoso, encostando-o ao ouvido.

- Sim. Não. Estou bem. Não faço ideia. Já vou. Até já. - Desliguei. O Mike é pior que uma miúda. Juro. Não deixa ninguém falar. Não que eu queira. Já tenho conversas suficientes comigo mesmo. Não é como se precisasse de falar com mais alguém. Estou só a dizer que, se quisesse falar, não podia ser com ele.

Levanto-me, mas arrependo-me imediatamente dessa decisão quando sinto o sangue a fluir de uma ferida aberta na coxa. A dor não é excruciante, mas não é fácil de suportar. Não sei bem para onde me hei-de dirigir. Ouço água corrente. Inspiro fundo. O cheiro da terra molhada impregna-se nas minhas narinas. Se conseguir chegar ao rio, consigo situar-me. Só tenho de fazer esse esforço.
Vou colocando um pé em frente ao outro, devagarinho. Tento não forçar demasiado o membro ferido. Por esta altura, já retirei a camisola, a rasguei e atei à volta da ferida, para que estanque. O meu corpo relaxou, pelo que a adrenalina já não atua como um analgésico. Ouço um ramo a partir-se atrás de mim. Estaco e direciono o olhar para o local de onde acho que veio. Não vejo nada. Quero correr, mas não posso. Não sei para onde. Não sei como. Continuo apenas a pôr um pé em frente ao outro enquanto tento manter o equilíbrio. Piso algo mole e pegajoso. Paro novamente. Parece sangue. Qualquer alma com dois dedos de testa correria na direção contrária, mas eu gosto do perigo. Faz-me sentir.
Persigo o rasto deixado como um caçador persegue um veado. Cheguei ao rio. Perscruto a superfície com o olhar, mas não há mais qualquer vestígio.
Baixo-me, acocorando-me, para lavar a cara e as feridas com a água limpa do rio gelado. Vejo as pequenas ondas causadas pelo movimento das minhas mãos, bem mais rápidos que o movimento da água, agora ensanguentada. Bebo sofregamente. Não sei há quanto tempo não bebia, mas sei que o meu corpo se ressente. O organismo reage assim à desidratação. Talvez as feridas não sejam assim tão más. Talvez o único problema esteja na desidratação. Levo mais uma concha de água à boca e ouço um zumbido. Entalo-me com a água que entra na traqueia ao mesmo tempo que sinto a pancada na nuca. Vejo a rocha ensanguentada e enlameada a cair à minha frente ao mesmo tempo que eu. Não vejo. Não há luz nenhuma, ninguém à minha espera, nenhum caminho para seguir. Depois da vida e antes da morte não há nada. Acabei de resolver um dos maiores mistérios da existência humana e não o posso revelar a ninguém. Boa, Chuck! Pelo menos, os outros serão revelados.

Sinceramente teu, ChuckOnde histórias criam vida. Descubra agora