PRÓLOGO

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2019


Quando decidiu se matar, Debra Jones, a filha caçula do Senhor Antony e da Senhora Molly, pegou todas as caixas de comprimidos antidepressivos e calmantes que conseguiu encontrar, espalhou tudo sobre a cama e os engoliu de punhado em punhado com a ajuda de um copo d'água. Na quarta ou quinta vez que encheu as mãos foi como se terra estivesse despencando para um dos lados, os olhos pesarem como se de repente alguém tivesse amarrado duas pedras bem pesadas neles e sua cabeça tombou em tempo de encontrar o travesseiro. Quase dois dias depois ela acordou na cama do hospital, cheirando a vômito e urina e furada por todo o corpo. Já fazia quase cinco meses, mas ela não conseguia ver um comprimido sequer na sua frente, as ânsias tornavam tarefa quase impossível tomar os remédios para ansiedade, mas ela estava se esforçando. Nesse período Debbie havia flagrado a mãe chorando pelos cantos algumas vezes e isso era pior do que lembrar de que não queria estar viva.

Tudo o que ela queria naquela noite quente de sexta-feira era relaxar. Por mais relutante que Louise estivesse, ela conseguia esconder bem e estava meio que arrastando Debbie como uma irmã mais nova para uma das festas que ela sempre conseguia se infiltrar. "Não. Eu não conheço o cara, mas ele é amigo de um amigo meu, então dá na mesma." E assim a sua melhor amiga havia convencido Debbie a sair de casa. Louise era seu bote salva-vidas quando as coisas estavam afundando. Ela precisava respirar e sair daquele quarto, precisava ficar longe dos sermões dos pais, dos antidepressivos e de todos os conselhos motivacionais. Um cigarro queimando entre os dedos de uma mão e um copo de qualquer bebida na outra: era disso que precisava. As coisas tinham ficado realmente difíceis para ela nos últimos quatro meses e a cena daquele dia tão sinistro de desespero ainda não a tinha deixado por completo. "Você só tem 19 anos. Um futuro todo pela frente. Não faça isso com você mesma." Aquela lengalenga repetida por todos girava em sua mente como um CD riscado. Ninguém mais guardava os remédios no armário do banheiro; ninguém a deixava usar o celular ou a internet; ninguém mais falava de morte perto dela; ninguém demonstrava tristeza quando ela estava olhando. Era tudo superficialmente perfeito. Mas Debbie sabia muito bem disso.

Se Debbie Jones tivesse pensado melhor antes de sair de casa naquele mesmo dia, talvez tivesse se livrado do que viria a seguir, mas ela parecia indiferente demais para se preocupar com o que aconteceria. O local da festa era uma das soberbas mansões do lado oeste de Los Angeles. Palmeiras, um céu dourado e celestial e carros caros estacionados por toda a rua faziam um convite irrecusável. Debbie não conhecia o anfitrião, mas conhecia a maior parte dos olhos de todos, que se certificaram de encará-la: a garota suicida aguçou a curiosidade coletiva assim que pisou no gramado do jardim. Para Debbie não havia nada mais incômodo nesse mundo do que dezenas de olhares conhecidos analisando seus movimentos. Era uma garota rebelde de cabelos descoloridos, que naquele dia estavam verdes, tinha olhos grandes, cinzentos e mortiços e quase nunca sorria. Ela bem que tentou caminhar com confiança, mas por dentro parecia faltar graxa em suas articulações, ela desejou ter saído de moletom para ter uma touca onde pudesse esconder o rosto, e teria se não fosse o bom senso de Louise prontamente à disposição para impedi-la. À frente; à esquerda; à direita; para onde quer que olhasse havia rostos conhecidos da sua antiga turma do colégio: estavam todos lá.

— Você não disse que esse pessoal estaria aqui, Lou. — sussurrou Debbie, dando uma sutil cutucada em Louise.

— Tô tão surpresa quanto você. — respondeu a outra.

Depois de algumas doses de álcool ninguém mais parecia se importar com a presença da garota suicida na festa, e mesmo Debbie parecia ocupada demais dançando com sua liberdade para prestar atenção em quem esbarrava pelos cômodos da mansão abarrotada de gente. Louise tinha sumido quando o anfitrião desceu as escadas ao som de aplausos empolgados. Todos ali o conheciam, mas Debbie, mesmo depois de muito esforço, continuou alheia àquela presença. Era nítida a diferença entre o dono da festa e seus convidados, a roupa, a postura, tudo nele era extravagante e caro, mas de um jeito exagerado e nada natural, mas ninguém parecia julgá-lo por isso. Elliot Moore caminhou por seus bajuladores como Jesus Cristo caminhou por seus seguidores, exibia um sorriso de porcelana e um olhar altivo e inabalável, mas pelas suas contas havia agora duas celebridades naquela festa e não demorou até que seus olhos também caíssem sobre ela. Ninguém naquela cidade tinha sido poupado do vídeo grosseiro da tentativa de suicídio de Debra Jones: quando desabou desacordada sobre a cama do seu quarto, a live no seu perfil do Facebook já havia chegado a 9 mil curtidas.

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