Manter a perna dobrada fazia seu ferimento arder como se derretido por metal incandescente. A dor trazia a Ryota a sensação do fracasso. A ideia de que Isao, um simples sacerdote, o havia salvado da morte, o torturava. O amigo tinha usurpado seu direito de morrer em combate como um guerreiro.
Mesmo sabendo que lhe devia gratidão, não conseguia deixar de sentir revolta. Revolta por não ter tido a competência necessária para cumprir uma ordem de seu senhor. Por ter sido tão infantil ao ordenar que Tanaka participasse da missão. Revolta, por ter saído vivo, enquanto um de seus homens havia tombado em campo batalha.
Ainda mais revolta, por constatar que, camuflado em todos esses sentimentos, escondia-se o pior deles: o alívio. Alívio por estar vivo. E esta não era uma emoção que ele deveria sentir naquelas circunstâncias. Não, quando se desejava ser um verdadeiro samurai. Não escondera o constrangimento quando o Kerai o encarou.
– Tem alguma ideia de quem são esses invasores? – perguntou ao se servir de chá, parecendo não ter real interesse na pergunta.
A fragrância fresca da erva, antes coadjuvante, ocupou a sala, trazendo alguma serenidade a Ryota. Era a primeira vez em que havia sido convocado para uma reunião sozinho. Não teria mais a proteção do pai ou a liderança de Takeso. Estava submerso na responsabilidade de proteger Uruma. Suas atitudes e suas palavras, agora, passariam a ser determinantes.Acreditava não estar inseguro, mas a poderosa gravura às costas do Kerai, do Imperador sob a sombra do Pessegueiro-coração no jardim do Palácio da Primavera, antes inspiradora, havia ganhado um peso diferente.
– Tenho suspeita de que são homens do Norte.
– Do Norte? – O Kerai o lançou um olhar incrédulo.
– Sim. Pelo tom da pele, os equipamentos rústicos, a forma de lutar... Imagino que muitos estejam vindo para cá, fugidos da guerra – emendou, evitando se aprofundar no estilo de combate dos bandoleiros. Não queria ser forçado a falar sobre o controle do espírito animal e acabar por se expor mais do que deveria.
– Sempre ouvi falar que a guerra era bastante lucrativa para os criminosos.
– Até certo ponto, sim. Mas dizem que o Norte é um imenso campo de batalha. Talvez não haja mais o que pilhar lá.
– Pois bem, investigue melhor e reforce ainda mais o centro. Colocarei toda a verba arrecada com o festival a sua disposição. Acredito que seja suficiente – concluiu, voltando a beber do chá. Fazia-o sem a elegância habitual, com as mãos inseguras, como se algo a mais o estivesse incomodando.
Ryota preferiu não o importunar com perguntas indiscretas.
– Senhor... – O Kerai ergueu os olhos impaciente. – Perdoe-me, mas não acha demasiado arriscado manter o festival? Um ataque durante a cerimônia seria desastroso, senhor.
Sentiu-se profundamente desconfortável em confrontá-lo, mas teve de fazê-lo. Havia o risco de alguma retaliação durante o festival. Estariam expostos, com a segurança fragmentada, e a festa serviria como uma cortina de fumaça, dificultando o rastreamento de possíveis invasores e trazendo o pânico aos moradores.
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O Dragão de Uruma
FantasyUruma estava no extremo sul do continente. Um distrito célebre apenas por margear a implacável Floresta Sagrada, túmulo da outrora civilização dos nascidos de Galo, tão distante e modesto que seus habitantes alimentavam a esperança de que a mais dev...