55. Um Vaga-lume [Isao]

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Isao se sentou na cama e tirou o cobertor das pernas

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Isao se sentou na cama e tirou o cobertor das pernas. Suava muito e a roupa estava grudada ao corpo de tão encharcada. Distraído, coçou a picada em seu cotovelo e fechou os olhos. Era mais confortável. Não conseguia pegar no sono, mas se manter completamente desperto também lhe parecia impossível. Sentia-se como um semi-morto. Exausto, mas sem sono. Fraco, mas sem fome.

Aquela tinha sido uma noite difícil. Não pelo excesso de barulho, mas pela falta dele. O completo silêncio por longas horas, depois de dias de algazarra, havia dado a sua mente incentivo suficiente para que ela viajasse por todos os cenários mais terríveis possíveis para o futuro de Uruma.

'Por quê tamanha quietude?', ficou a se perguntar. Até os animais estavam mais calmos.

Shimada provavelmente tinha planejado o ataque para aquela manhã e seus cachorrinhos fiéis, conquistados pelo dinheiro, haviam decidido descansar para a grande batalha.

Um calafrio percorreu sua espinha e o obrigou a se esconder mais uma vez no cobertor.

A imagem dos corpos espalhados pela praça de Uruma surgiu entre seus pensamentos semelhante à memória que guardava da trágica morte de Matsuura Kawabe, o Daymio mais excêntrico que passou pelo governo de Shiba, executado junto ao seu séquito de soldados nas Escadaria das Escamas.

Por tantas histórias contadas por seu tio, quando criança, nutria certa admiração pelo estranho Daymio. Tinha tamanha obsessão por sua figura que conseguia imaginá-lo em detalhes mesmo sem sequer tê-lo conhecido por meio de alguma ilustração. Era capaz de vê-lo ao lado de seus fiéis guerreiros, alvejado por incontáveis flechas venenosas, com os olhos febris de raiva, lutando contra Toyama, o Traiçoeiro, seu irmão mais velho, e todo o exército dos Nove Clãs.

Diferente de Shimada, não o venerava por sua rebeldia, ou por sua honra ao batalhar até o fim numa guerra perdida, ou por qualquer outro de seus feitos extravagantes em combate. Interessava-lhe o seu lado insano. Matsuura, o Louco, o intrigava. Pelo seu sangue, que muitos afirmaram ter jorrado do seu corpo por três dias e que se espalhara por cada canto daquela praça. Que secara, depois, ao sol como o arroz separado nas esteiras, e que contaminara o ar com o veneno que o matara. Ou pelo mistério acerca de seus dentes enegrecidos, que alguns acreditavam ser resultado da carne da víbora-carvão, que quando ingerida por um nascido de Serpente fortalecia seu espírito animal e o tornava imune a dor.

Fosse lá os inúmeros boatos acerca de Matsuura, verdade ou não, o que encantava Isao era imaginar que um homem tão controverso, vilão para uns, herói para outros, havia conseguido alcançar o patamar de deus num período tão curto de vida. Contava com fiéis tão devotos que, ao descobrirem que sua estátua havia sido destruída e descartada na Fenda dos Ratos, passaram a vasculhar cada charco do pântano em busca de algum fragmento do artefato para ostentá-lo como uma relíquia sagrada.

'À revelia do Supremo, até onde a força do homem pode alcançar?', ficou a refletir.

A idolatria por Matsuura Kawabe não resistiu ao tempo. Mais velho, Isao pode entender as questões políticas envolvidas na Guerra dos Dois Irmãos e concluíra que seu herói nada mais era do que um traidor. Apenas mais um homem ensandecido pela ganância e pelo desespero em manter o poder conquistado, que, como tantos outros, voltara-se contra o Imperador e contra tudo o que ele representava. Nada tão diferente de Shimada, apenas em proporções maiores.

'Enquanto o homem não aprender a canalizar sua ambição para o bem, estará fadado a morrer para ela.', concluiu, cansado.

Um brilho esverdeado cruzou à sua frente e aterrissou na manga do seu quimono.

'Um vaga-lume.', estranhou.

Vaga-lumes não perambulavam em noites tão frias.

'Será um mau presságio?'

Apesar da beleza, traziam má sorte, acreditavam os mais antigos, e que o inseto era a manifestação de algum espírito no mundo dos vivos. Lembrou mais uma vez do sonho, da fila interminável de pontos luminosos flutuando em direção à completa escuridão. Espíritos a carregar seus lampiões, que de longe mais pareciam vaga-lumes.

'Izanagi?', sobressaltou-se.

Talvez aquele pequeno vaga-lume fosse Izagani atraído por seus pensamentos ou pelas orações de Hiromi. Não mais ouvira as lamúrias da amiga depois do que tinham conversado e passara a sentir certa leveza em seu peito. Não só por ela, mas por Izanagi também. Viu o rosto do samurai em meio à escuridão do seu pesadelo, livre dos galhos, das cascas, do aspecto de morte, e sorriu. Tinha a impressão de que sua missão com o amigo ainda não havia terminado, algo ainda lhe era incompreensível, mas de alguma forma sabia que ele agora estava melhor do que antes.

Isao cobriu o vaga-lume com as mãos e observou ele pulsar entre seus dedos. Verde, luminoso. Ele era o próprio vaga-lume, constatou, confinado em um casulo aconchegante, preso àquele quarto, esperando que sua luz enfraquecesse até que se apagasse por completo. Para seu profundo desapontamento, sentia-se seguro, aliviado por estar longe de tudo, das ruínas do templo, dos julgamentos, das cobranças, absolvido da responsabilidade de lutar contra as loucuras de Shimada.

Afastado de todos, estava a salvo do mesmo mundo que o rejeitara deste seu primeiro suspiro de vida. Podia então voltar ao ventre da mãe e desaparecer, sem precisar dar mais nenhum tipo de desculpa ou mesmo se constranger por preferir a solidão.

Ouviu o barulho seco de passos na madeira.

E a porta sendo destrancada e escancarada com força.

Seus batimentos aceleraram.

Era Shimada.

Isao jogou o cobertor para longe e se recostou na parede como se pudesse fugir através dela. Seu coração batia como um tambor anunciando o espetáculo. Seus pulmões imploraram por um ar mais fresco e abundante. Relutou, mas conseguiu encarar o tio.

Shimada deu um passo em sua direção e cresceu ainda mais dentro da armadura. A majestosa armadura de Shigaro Isao, a herança maior dos nascidos de Boi, confeccionada com escamas forjadas no fogo mais abrasivo das Montanhas do Vapor, que cintilavam à luz do lampião como milhares de olhos incendiados pelo ódio. O metal zumbiu com o movimento, como abelhas se debatendo na colmeia, e expulsou uma fumaça branca de sua superfície, bufando como um touro enraivecido.

O senhor do Sul não era mais o velho envergado pela idade e pelos fracassos acumulados ao longo da vida. Era, como sempre acreditara ser, um guerreiro. Um digno representante de seus antepassados, nascidos e mortos no campo de batalha, retesado à sua frente, com as mãos revestidas de couro e cinzas sobre o cabo da espada.

Isao teve medo.

– Prepare-se – bradou Shimada, jogando-lhe um corselete de couro. – Você marchará ao meu lado e será testemunha do dia em que pagarei todas as minhas contas com nossos ancestrais.

 – Você marchará ao meu lado e será testemunha do dia em que pagarei todas as minhas contas com nossos ancestrais

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Estamos, de fato, na reta final. Então, pergunto: o que vocês estão esperando dessa última parte de "O Dragão de Uruma"? Quais as suspeitas? Quais as especulações? 

Fico aqui, na expectativa, aguardando a opinião de vocês. \o

Um abraço apertado em cada um de vocês e obrigado por todo o apoio! ;)

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