Capítulo 10

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— Você precisa melhorar o pedal da esquerda. Não está fazendo direito, é desse jeito aqui.

E então, mais uma vez, a minha nova professora de piano tentava me reexplicar o que já me foi ensinado. Senhorita Fox trabalhou em mim as questões mais simplórias até as mais difíceis, porque sabia que uma coisa depende muito da outra. Mas a nova professora sempre me interrompia para pontuar em erros que na minha percepção, não existiam.

No estúdio haviam dois pianos, um para cada aluno a cada uma hora de aula. Senhorita Mack alternava a cada cinco minutos de um piano a outro, nos passando instruções, permitindo que tentássemos sozinhos, sem aquela necessidade de um professor ao lado para guiar o caminho. Como nem tudo são flores e para todo professor tem aquele aluno que ele apenas suporta — porque sabe que no final do mês vai pagar a garrafa de vinho com o dinheiro pago pelo aluno —, eu era essa pessoa.

Quando, semana passada, percebi que eu não movia tanto os pauzinhos para conseguir passear, e inconscientemente, ativava o meu lado preguiçoso e necessitado a permanecer em casa admirando o teto branco do meu quarto, acordei decidida na manhã seguinte a esse toque de realidade, motivada a encontrar atividades extras quais pudessem de fato ocupar o tempo que eu estava deixando passar. Literalmente, o deixava passar. Me lembro de certa vez ter aberto a tela do celular e ficado horas rolando o dedo na tela inicial, observando atentamente para tentar captar o momento exato em que o número do relógio trocava de algarismo. Segundos incapturáveis, porque eu nunca conseguia perceber. Não lembro exatamente quando realmente sai dessa hipnose, mas que demoraram longas horas, demoraram.

— Por acaso já sabe onde quer fazer?

— Ainda não, pai. Apenas senti falta das aulas da Senhorita Fox e acho que seria legal repor as aulas que perdi durante essas semanas.

O que não era tão verdade assim, porque honestamente, a Srta. Fox era elegante do tipo a Paola Carosella, o que a tornava ainda mais crítica quando eu não acertava nenhum clássico, como músicas do Mozart. Não queria era falar para o meu pai, o quanto eu estava desaproveitando da cidade.

— Eu vou tirar o dia de folga amanhã para ir no centro, aproveito e procuro por estúdios ou aulas particulares.

Como boa curiosa, parte de mim queria perguntar qual seria sua atividade no centro, mas outra parte de mim me parou e me sinalizou com relação a privacidade, e que, por trabalhar tanto e diretamente com outras pessoas vinte e quatro horas por dia, talvez ele quisesse se curtir um pouquinho sozinho — o que é de altíssima prioridade.

Meu pai encontrou o estúdio. Disse que o que tinha o atraído havia sido a entrada do local. O solo com a presença de um tipo de piano, como em um daqueles em episódios de seriados musicais estadunidenses, convidando diretamente os pés da pessoa a pisar naquele piano falso e esperar algum som sair dali. Por horas, conversou com Srta. Mack sobre as influências musicais no mundo contemporâneo e a partir disso, de alguma forma, determinou que ela seria a professora ideal para mim porque nos encontraríamos perdidamente uma no conhecimento da outra.

Acontece que, a professora me tratava muito diferente com relação a minha colega, do piano oposto, que aparentemente estava muito mais avançada do que as instruções — que para ela pareciam irrelevantes — quais Mack dava.

— Você errou de novo, eu já falei que voc...

— Que eu estou posicionando os meus dedos errados, olhando para a madeira do piano, contemplando os ares que rodeiam sobre mim. É, eu estou. Além disso, também estou indo embora. Acho que por hoje já deu.

— Você não pode sair assim. Tem que aprender a escutar as críticas construtivas.

— Se fossem construtivas eu não continuaria "errando" como a senhora diz. E sim, eu posso sair. Foi ótima essa trajetória de uma semana com você.

Fechei o piano, enfurecida, guardei as poucas coisas que haviam tirado da bolsa e levantei em direção a saída daquele ambiente absurdamente lindo e extremamente tóxico. Ao ponto em que eu andava, ela resmungava baixinho como se esperando de fato que eu saísse para se expressar com ainda mais potência. Como se de repente tivesse se lembrado de algo muito importante, aumentou seu tom de voz quando eu pus a mão na maçaneta. Então chamou a minha atenção, para finalmente dizer:

— O pagamento no final do mês... ainda vai rolar? 

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⏰ Última atualização: Jun 01, 2019 ⏰

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Admirador de JadeOnde histórias criam vida. Descubra agora