Capítulo 8

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Capítulo 8

Após três dias desde que nos instalamos definitivamente em Gramado, especificamente em um lar próprio, os móveis que embalamos da outra moradia finalmente encontraram seu rumo.

Haviam diversos edredons, travesseiros e objetos pessoais em algumas das caixas que preferimos deixar entre as coisas que estavam no carro de mudança. Por conta de uma greve dos motoristas que causou rebelião em milhares de lugares, a mobilidade dos móveis até a nova cidade só foi acontecer quando tudo terminou. O que de certo modo não nos atrapalhou, considerando que chegaram uma semana depois do primeiro dia que entramos no Hotel.

Com os móveis em seus lugares, faltavam algumas caixas para serem desempacotadas e apenas meia hora até o almoço. Exaustas, nos entreolhamos quando meu pai desceu do primeiro andar, com seus fios molhados, vestindo uma calça moletom e questionando qual seria o cardápio do dia.

— Não preparamos nada, querido. Eu aposto que em uma dessas caixas tem sopa enlatada ou qualquer outro alimento em que você possa se virar.

— Enlatado. Sério? Ângela, eu não como esse tipo de produto. Você sabe disso.

— Desculpa. — Minha mãe deu um intervalo na conversa, pegou uma faca para conseguir desempacotar melhor — Esqueci completamente. Só que isso também não é um problema! Tem algumas verduras e hortaliças na geladeira, molhos em um dos armários e sobras do jantar de ontem. Talvez se você fizer uma lasanha de berinjela não saia...

— Você está sugerindo que eu faça o almoço?

— Sim, qual a dificuldade nisso? Eu vou te passando as instruções enquanto você faz.

— Sou eu quem dou as instruções. Você quem faz.

— Ah mas como é que é?

A chapa estava pra esquentar.

Em Curitiba a rotina dos dois sempre foi muito corrida. De Segunda à Sábado trabalhavam sem parar, montando causas, recolhendo provas e uma penca de tarefas que não eram do meu alcance. Os Domingos eram os únicos dias em que os dois se permitiam desligar os celulares e aproveitar o dia em família. Era muito relativa a maneira que desfrutávamos nossas companhias. Entre todas as atividades, nós íamos à Santuários de animais resgatados e montávamos um piquenique nesse ambiente que era tão... diferenciado; acolhedor.

Onde quero chegar é que: um Domingo por semana não era suficiente para perceber os defeitos de cada um. Até porque em dias como esse, não havia espaço para chateações. O que nossa... foi um reviravolta completo durante uma semana ao lado deles.

Eu estava conhecendo um lado diferente das férias.

Passei a ter mais aproximação com os meus irmãos (o que fez com que eu colocasse na lista de conquistas ter conseguido jogar uma partida de futebol sem me machucar, vitória que era impossível para os dois). Eu e minha mãe tínhamos momentos quais eu sempre sentia certa carência durante toda aquela rotina apertada. Corria com meu pai todo santo dia e até passei a praticar yoga — o que não durou nem dois dias porque eu me doía só em fazer os alongamentos. Foi em uma dessas esticadas corporais em que Donavan, nosso vizinho podre de rico e de estupidez, passou ao nosso lado caminhando com o seu Golden retriever. Seu bom-dia foi ignorado completamente por mim quando senti o seu olhar sobre meus seios.

— Babaca. — Meu pai me olhou soltando uma leve risada, já sabendo sobre quem eu falava. Ele também percebeu.

— Talvez se você vier com uma camisa polo ou uma daquelas de praia, sabe? Possa ser...

— Diferente? — O interrompi, perplexa. — Fala sério, pai! Eu preciso mudar a minha roupa pra mudar o caráter de caras como o Donovan?

— Não é isso, meu bem. É só evitar.

Inventei uma desculpa de que o alongamento me provocou dores no lombar e não corri naquele dia. Nem o restante dos dias que se seguiram.

 Não sabia como iria começar a mudar essa mentalidade do meu pai e certamente eu não queria acreditar que ele a tinha. Isso ocorreu dois dias antes da ocasião do almoço.

 Mamãe estava com um faca na mão, meu pai encostado na geladeira e eu, no balcão da cozinha americana tentando decifrar os próximos segundos. 

Admirador de JadeOnde histórias criam vida. Descubra agora