Capítulo 7

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Longos minutos se passaram até que eu pudesse me dar conta do que estava sob meus olhos. Sim, eu tinha noção do que era receber uma carta, mas não sobre o que era ter um admirador.

No jardim de infância eu recebia constantemente as cartinhas de um garoto que não tinha os dois dentes da frente, da mesma altura que eu e com os cabelos tão cacheados que eu não estranhava quando as coisas prendiam entre seus enroladinhos. Me recordo perfeitamente quando mamãe pegou uma das cartinhas do João, entrando no meu quarto e me perguntando o que eram aquelas coisas.

— Ah, mãe. São as cartas do meu namorado João.

— Você tem idade pra ter um namorado, menina?

— Eu tenho sim. Todo mundo namora!

— Você não é todo mundo. Além do mais, o que seria namorar pra você?

Lembro-me de tentar organizar os conceitos para poder demonstrar que eu realmente sabia. Uma criança muito esperta, eu acreditava.

— Eu não preciso te explicar isso, mamãe. A senhora namora o papai e sabe o que significa. Mas eu sei que eu gosto de mandar cartinhas pro João, e ele também gosta de mandar para mim.

Tão engraçado perceber que o nosso namoro não se passava de cartas com um português não muito formulado. Era uma época boa. Inclusive, eu sabia quem estava me mandando. Diante dessa carta, anos depois, me sentia totalmente por fora de quem poderia ser.

O perfume era extremamente convidativo. A embalagem da vidraria se dava por tons vivos que se misturavam em sintonia com o design de algumas folhas quais eu não conseguia reconhecer. Inalei o cheiro quando finalmente o abri. Me recriminei depois, imaginando que aquilo tudo poderia ser uma emboscada, onde o tal admirador tivesse implantado algum produto químico para me dopar nasalmente.

Recolhi os objetos querendo rir da fantasia que eu acabará de criar.

Era ridículo, não impossível.

Os coloquei na minha parte do guarda-roupa, aproveitei para escolher alguma peça e tomar um bom banho. Conseguia pensar com mais clareza quando a água recaia sobre mim.

(..)

Não muito longe do Hotel eu me encontrava lendo Depois de você — um romance que me pegou logo na primeira folha do primeiro livro da sequência feita pela autora. Queria ter um momento meu, fazendo uma das coisas que eu mais gosto de fazer. Em Curitiba eu estaria nesse mesmo horário com a Senhora Fox, nós duas estudando a parte teórica para posteriormente ter a parte prática.

Sem fome alguma e sem vontade de socializar com outras pessoas, apenas liguei para os meus pais, os avisando que iria dar uma volta não muito longe. Para não se preocuparem, logo estaria de volta.

Uma cabeleira castanha surgiu no meu campo de visão, com uma mochila nas costas e carregando um skate abaixo do braço. Continuei a leitura, não me importando muito com a presença da garota. Quando voltei a minha concentração no capítulo onze, li uma estrofe que me fez rir de maneira escandalosa e despreocupada. Algumas coisas me faziam rir quando para outras pessoas não havia graça alguma. E eu não me importava muito com isso. Porém, a garota aparentemente skatista, sugeriu o começo de uma conversa.

— Está rindo de qual das atrapalhadas da Lou?

Despertada com a voz serena vinda de minha frente, a fitei com meu olhar e a respondi. — Ela está com o paramédico. Eles dois juntos tem muita facilidade de provocar o riso.

— Hm, tenho certeza disso. Ele é bem intimidade. — Respondeu, olhando para cima, provavelmente se lembrando de uma de suas leituras. Antes mesmo de me questionar se aquela conversa teria continuidade, ela voltou a me olhar. — Nunca vi você antes. Essa praça é pouco movimentada, então venho muito nesse parque abandonado. Você é turista ou o quê?

— Eu não morava aqui, minha cidade natal é Curitiba. Me mudei recentemente com a minha família.

— Você vai gostar do lugar. Tem muita coisa bacana que ninguém conhece direito, e eu particularmente acho incrível.

— Pelo visto você gosta bastante de ficar sozinha.

— É. Você também.

Quando a respondi, achei que iria pairar um clima estranho entre nós duas, porém não foi bem isso que aconteceu. Me sentia confortável com o silêncio instalado, porque era como se a gente estivesse se entendendo mesmo na ausência das palavras. O que, nossa, era muito curioso. Tanto para entender o motivo, quanto para querer continuar a ter certa conexão.

Ravena — qual me contou pouco depois o seu nome — me convidou para ir até a Praça dos Skatistas com ela. Tentou parecer uma profissional quando a perguntei sobre o objeto que carregava, mas entrou em crise de riso, achando piada a sua repentina invenção. De acordo com o que me contou, feriu mais as pernas do que aprendido a andar sobre aquilo, e que mesmo assim, não perdia a esperança. O skate era de sua amiga qual sabia andar sem bater de bunda ou de joelhos no chão.

Do lugar que a gente estava para o lugar que iríamos, davam uns dez minutos a pé. Sem muito duvidar de que a garota realmente era o que me passava, a acompanhei para mais uma prática com a amiga dela, conversando sobre coisas banais e rindo de outras sem muito sentido.

— Gosto de tentar ler no escuro. Esse livro, por exemplo, li cinco capítulos sem claridade alguma.

— Devo perguntar o motivo ou a resposta seria sem noção demais?

— Bem, na minha cabeça não me parece sem noção. Eu assistia muito aquele seriado Mutantes, passei a minha infância achando que a qualquer momento eu teria um dos poderes que os personagens tinham.

— E deu certo? — Perguntei, já imaginando a resposta, mas queria demonstrar o quanto estava interessada na imaginação que vinha dela.

— Oh, garota. Que nada! Você é boba? Eu inventei o meu próprio poder. Quando se acredita na própria fantasia, meio que acaba se tornando realidade. Mesmo que seja uma verdade só sua.

Lembro-me de ter mergulhado em suas palavras. Na forma que isso pode ser bom e ruim em diversos aspectos. Fui tirada dos meus pensamentos quando ela, Ravena, estalou os dedos em meu campo de visão e só então percebi que já havíamos chegado.

A praça era cheia de rampas e outros adereços que permitiam as manobras dos que realmente sabiam o esporte. Ravena me puxou para perto de uma das rampas, onde uma filipina estava sentada mexendo no celular. Os traços do seu rosto entregavam de bandeja o seu lugar de origem. Apesar de nunca ter ido para o exterior, eu conhecia um pouco da fisionomia de certas localidades.

As duas se cumprimentaram como boas e velhas amigas, enquanto eu as observava até que minha presença fosse apresentada. A filipina virou-se e me encarou, com um olhar intimidador que me fez recuar por um breve momento, mas, quando abriu a boca pareceu que seu olhar intimidante desapareceu e logo, apareceu uma menina extremamente doce.

Levando em conta que eu era nova na, era fácil demais imaginar uma amizade entre nós três se formulando. Eu realmente queria me estabelecer e criar novos laços.

Sempre com muitas expectativas, não é, Jade? 

Admirador de JadeOnde histórias criam vida. Descubra agora