Capitulo 5

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Capitulo 5

Um porco, uma cabra, e um jogo.

Colhe o que se planta, disse alguém em algum lugar... mas se isso for verdade, então devo estar colhendo a colheita errada, a colheita de outra pessoa. Só pode ser isso. Por que sofrer tanto assim, não deveria ser direcionado a mim.
Mas naquele dia em que derrubei o príncipe da cama que eu dormia -isso ate soa como algo bom, um príncipe, uma cama- e então tive aquela súbita clareza sobre o bebe de Milla, eu é claro não poderia ficar de boca fechada, por que era mais forte que eu. Era uma esperança em meio a tanta desilusão. Mas as coisas não acontecem da forma que se espera, não quando estamos falando da minha vida.
Então assim que levantei, ignorei toda dor que senti em meus pequenos ferimentos, e toda a historia sobre não ter mais o espelho que me levaria para casa, por que naquele momento eu queria ficar, eu ficaria, se fosse para viver ao lado dele. Eu viveria em meio a fossas e lamparinas, não literalmente, mas deu pra entender. Então disse tudo, corri até ele, sacudindo seus ombros nas minhas mãos, empolgada, animada, entusiasmada demais, para ver o que eu estava dizendo, não medi onde as próximas palavras me colocariam, não pude. Não me julguem, não queria parecer cruel, eu precisava ter mais uma chance, só mais uma chance de amá-lo.
Uma vez li em um livro que o amor te faz cego, surdo... mas não mudo. Você diz coisas e faz coisas sem entender bem o por que, tudo que sabe é que se não as fazê-las não será feliz, o amor nos faz loucos.
"Bernardo..." gritei ainda sacudindo seus ombros. Ele era tão alto, e cheirava tão bem, grama cortada, e hortelã. Tive que ficar firme e me concentrar no que estava fazendo, não queria agarra-lo antes do tempo, sem antes ter certeza que nossa historia poderia sim, ser pra sempre.
"Ela não esta grávida! Milla esta mentindo, como não pude ver isso antes, eu sei, ela não esta, é tudo uma grande mentira... meu Deus! Como fomos tão tolos..." berrei, estava aturdida, perdida no entusiasmo, que naquele momento não reparei que Sebastian, estava ali no mesmo cômodo. E naquele momento, eu não notei, que Sebastian, se contorceu em seu lugar, ficando desconfortável, mas quem não ficaria com uma mulher gritando. Mas então eu notei tudo isso e algo a mais.
Bernardo não estava comemorando como eu, ele não estava feliz, de inicio pensei que era pelo baque de ele não ser mais um futuro pai, mas então eu compreendi que havia mais.
Ele fixou seus olhos azuis em mim, estavam tristes e enegrecidos. Me preparei para o pior, mas foi quando sua boca tentou pronunciar algo que eu soube com toda certeza que ele não iria dizer nada de bom.
Sua mão que segurava a minha, e eu nem me lembro dele segurando-a, foi ate seu bolso traseiro, e de lá eu segui ele retirando um papel branco e novo, que não pertencia a Ayna, aquilo era da Terra.
Ele me entregou, e deu alguns passos para trás, tomando fôlego, esperou. Não queria ver aquele maldito papel, mas ele não disse mais nada, Sebastian não disse nada, e quando procurei por uma resposta no rosto de Bernardo, ele acenou para que eu pfosse em frente e abri-se o maldito papel branco.
"Exame Gonadotrofina Coriônica Humana (BHCG).
Resultado: POSITIVO."
Fiquei mais abismada e impressionada do quando minha mãe disse que queria começar a namorar de novo. Isso era só...
"Que porcaria é essa?" perguntei, mesmo sabendo exatamente o que essa porcaria era.
"Você mais que qualquer um nesse mundo, sabe o que isso é... ela esta mesmo grávida."
"Mas como ela fez isso? Quer dizer vocês são de Ayna, como ela saberia sobre isso?"
Ela não teria essa brilhante ideia sozinha, ela não conhecia as coisas da Terra.
"Eu não sei, mas quando a questionei, ela apareceu com isso dias depois, e então eu perguntei a algumas pessoas do que se tratava e eu soube que é 100% certo. Então infelizmente..."
Deixei aquele papel idiota cair no chão, ser levado pelo vento que vinha da porta, como minha esperança foi levada por ele.
"Oh cale a maldita boca! Chega dessa merda! Você e essa idiota podem ir viver na cidade dos bebês, eu vou dar o fora daqui, de uma vez por todas." Resmunguei, juntando uma mochila velha que vi no canto da cama, e sai jogando objetos e coisas que poderia precisar dentro dela. Não sei de onde veio toda essa força que reuni dentro de mim, mas eu sabia de uma coisa, ou eu deixava Ayna, ou eu deixaria essa vida. E pra falar a verdade não quero morrer, gosto de viver, mesmo que seja uma vida de merda, é a que tenho, e talvez um dia ela melhore, é assim não é, com todas as pessoas...
"Cristal, onde você pensa que vai?" Perguntou-me o Príncipe.
"É surdo? Eu disse que irei embora, para casa..." resmunguei sem olhar para ele, ouvi Sebastian rindo, e o olhei com olhar de morte e logo seu riso foi embora.
"Que arma você tem aqui Sebastian? Tem uma besta?"
Mas antes que Sebastian me respondesse, Bernardo veio ao meu encontro prendendo minhas mãos nas suas com brutalidade.
"Não ouviu o que eu disse lá perto do rio? O espelho se foi... não conheço outra maneira de ir para a terra!" enfatizou ele.
Não olhei para ele, não olhei para nada.
"Sim, eu sei. Mas eu conheço outro jeito." Completei. Sem ter certeza.
Ambos Bernardo e Sebastian me fitaram curiosos.
"O rei sempre sabe como ir pra Terra, e ele "encontrou" meu colar da ultima vez, ele deve estar com ele agora, ou logo estará. E é por lá que irei embora."
"Não! Você não vai encontrar o rei, não mesmo"
"Ele é meu pai Bernardo, acho que não vai me matar. Alem do mais isso não é mais assunto seu. E olha talvez Milla já esteja lá fazendo o enxoval do seu filho, e quem sabe não faço um chá de bebê pra ela?" Sarcasmo era um amigo fiel.
"Para! Você não conhece mesmo o rei... ele só se importa com sua aparência perante o reino, e apenas isso."
"Eu sei, é com isso que contarei, e tenho uma carta na manga que o rei nem mesmo imagina."
"O que é uma carta na manga? Sua blusa nem tem mangas?" perguntou atrás de nos, Sebastian, eu teria rido se fosse outro dia, mas hoje, não. Talvez eu nunca mais sorriria. Não vejo como poderei voltar a fazê-lo.
"Me diga qual é essa carta?" perguntou Bernardo.
"Não, o rei irá saber quando eu chegar ao castelo." Continuo fitando o vazio, me forçando a não sentir. Se você prender a respiração por alguns segundos a dor vai embora. Digo a mim mesma.
"Então poderia me soltar, para que eu possa iniciar minha partida?" pergunto irônica. E dessa vez eu o encaro.
"Só sobre o meu cadáver. Não vou deixar você se arriscar assim, eu irei falar com ele, e direi quando estiver tudo bem e quando você poderá ir até lá, alem do mais..." Começou ele, mas nem teve tempo de terminar, estava cansada, exausta de todas esse lenga lenga, eu queria paz. Queria - não, precisava- de distância dele. Iria explodir se ficasse mais um segundo a seu lado.
"Pena que não é você quem escolhe." Resmunguei. E fiz o que sabia, a arte que treinei, -defesa pessoal- essa que um dia eu o ensinei gentilmente, quando as coisas eram fáceis, nós dois, sobre uma cama, derrubando ele naquele lugar aconchegante, quando ambos rimos e terminamos nos beijando, mas hoje, não existiu riso e nem mesmo beijo, hoje eu o joguei no chão.
E antes que ele me desequilibrasse, e desviasse do golpe, assim que pousei sobre sob seu corpo estendido ao chão, peguei uma garrafa sobre o criado mudo. "Sinto muito." Murmurei com pesar. Olhei em seu rosto e quase voltei atrás, mas era preciso, então a quebrei a garrafa sobre a cabeça dele, foi um ato brutal e terrível. Mas não o feri, não fisicamente pelo menos, ele teria uma dor de cabeça horrorosa, assim que acordasse, tentei não ficar lembrando de seu olhar preocupado,tentei não me martirizar com o que acabava de fazer.
Não queria admitir, nem me assombrar com o que aquele olhar desentendido que ele me dera segundos antes poderia significar, mesmo que na situação presente, com tantos problemas, nem deveria me importar com o que ele pensa de mim.
Com o coração partido, e o peito pesado, segui em frente.
"Ei você... me dê uma arma e um cavalo... agora!" exigi a Sebastian que tinha dois olhos enormes arregalados sobre mim.
"Se eu me negar vai me bater e quebrar coisas em mim?" perguntou ele em tom de brincadeira.
"Pode apostar que irei."
Seu riso sumiu, e ele foi atrás do que eu havia lhe pedido, quando saímos ao lado de fora, já estava com uma mochila cheia de suprimentos básicos, a besta nas costas e um cavalo selado. Ele poderia negar-se a me ajudar, era duas vezes maior que eu, sem falar na sua força e maior agilidade, mas ele apenas concordou.
"Ele vai ficar bem?" perguntei apontando para Bernardo desacordado sobre a cama onde eu e Sebastian o colocamos.
"Acho que sim, mas você sabe, irá arrancar minha cabeça quando descobrir que te ajudei." Concluiu Sebastian dando de ombros no fim.
"Desculpe por isso, mas era preciso."
Ele concorda mais um vez, o que apesar de ser o que eu queria, me surpreende, como se ele cedendo, me ajudando assim de bom grado, fosse estranho, ou só inesperado.
Não é fácil seguir o melhor caminho, mas quem disse que seria? O caminho mais difícil é o que leva a onde se deve estar. O fácil só faz você dar voltas e não te leva a lugar algum. Por que estou falando sobre caminhos? Bem por que estava me preparando para o que irá vir. Ou só fingindo que estava forte o suficiente para abandonar o amor da minha vida.
Naquele momento comecei a pensar como uma pessoa pode continuar vivendo quando perde seu grande amor, por que as historias nos dizem que com o tempo seu coração se cicatriza, e então vem um novo amor e tudo fica bem novamente. Mas não acho que, ou melhor tenho certeza -e isso é ainda pior- que esse amor, essa coisa que sinto incansavelmente, esse sentimento que não importa as circunstancias, o infortuno, sempre esta ali, presente. Nunca irá acabar. Ela nunca irá passar. Eu nunca voltarei a amar novamente, por que só tenho um coração e ele pertence a Bernardo. Sempre.
Eu tinha estado no castelo há tanto tempo, mas não foi difícil chegar até ele, em partes por que a estrada que levava ate ele, estava toda marcada, por poças vermelhas ou armas caídas pelo caminho, deixadas ao vento, sendo comidas pelas ervas daninhas. Assustei-me um pouco com a imagem do lixo deixado por toda a parte, roupas, armas, sapatos. Algo muito ruim acontecera aqui. E eu poderia imaginar o que. Uma batalha.
Não sei se cheguei lá rápido demais, por que na minha cabeça tinha um mapa marcado como um X vermelho com a frase, "Cuidado, nada é o que parece", ou se cada passo que eu dava para o castelo, sentia partes de mim se perdendo por onde passava, partes que eu teria que deixar para trás eventualmente, partes que continham o amor da minha vida, mas que não poderiam mais fazerem parte de mim.
"Por que você teve que fazer isso comigo?" "Por que tenho que sofrer por você?" "Por que não posso simplesmente te esquecer?" frases jogadas ao vento, que nunca seriam respondidas. Mas meu eu interior não parava de fazê-las exaustivamente.
Os portões do castelo estavam abarrotados de soldados, ate mais que antes posso dizer. O rei deveria estar mais popular. Fiquei curiosa no entanto que se estavam em paz - mesmo que momentânea- por que então tanta proteção?
Mas o rei logo explicaria. Fui arrastada, para dentro do castelo sem qualquer cerimônia, tratada como uma rebelde. Talvez não saibam quem eu sou? Pensei. Mas não, eles sabiam. Ouvi vários dizendo "é a princesa Cristal? Achei que ela estivesse morta?". Então essa era a historia sobre mim. A que contaram sobre meu desaparecimento.
Esperei entrar pela porta e dar de cara com o rei preparando minha forca, ou só fazendo uma fogueira onde me queimariam, parte de mim esperava que ele apenas concordasse em me mandar embora pelo espelho, por um outro espelho já que aquele ultimo estava perdido. Mas fiquei momentaneamente sem voz. Quando avistei uma certa pessoa, sentada num delicado vestido rosa, sim Milla, estava ali, lindamente descansando num sofá no Hall do castelo.
Ela fitou seus olhos em mim, com desdém, parece que não fingiria ser uma pobre moça, não mais. Caminhou ate o meu encontro, não me debati nas mãos dos guardas, pretendia, mas assim que a vi, não quis dar esse gostinho a ela.
"Quero ver o rei." Resmunguei.
"É claro que quer..." começou ela.
"Podem soltá-la, minha irmãzinha não agrediria uma mulher grávida!"
Então eu soube, todos sabiam sobre a gravidez, o casamento, aconteceria mais rápido do que pensei. Não estava preparada pra isso. Não poderia imaginar meu Bernardo se casando com ela, aquela mesquinha ingrata coisinha. Na verdade não poderia imaginar ele fazendo isso com ninguém. Havia algo que estava pensando a muitos dias, algo que era ruim e egoísta de mais ate para se pensar, mas eu precisava me dar esperanças, e não posso dizer que se eu pedisse isso a Bernardo e ele aceitasse, não sei se eu ainda o veria com os mesmo olhos, mas, só talvez, essa seja nossa única chance. Fugir.
Logo os guardas que me prendiam me deixaram livre, mas nenhum deles saiu da sala, ficaram esperando por um ataque meu. Notei alguns dos trabalhadores -ou escravos, não sei ao certo qual termo usar, não sei qual a cituação de Ayna- começaram a vir e ir pelo Hall. Me encaravam como se eu fosse um animal novo no zoológico.
"Então o que a trás aqui? Espero que meu futuro marido esteja por perto, preciso muito vê-lo, sabe como é, estou com tanta saudade, aquela boca faz maravilhas em meu pescoço!" disse Milla, me atacando, ela queria guerra. Não. Ela queria esfregar que ela tinha tudo que queria, como uma menina mimada, ela nem o amava. E nem precisava ser perito nisso para ver.
"Quero apenas voltar para minha casa, de onde nunca deveria ter saído! E seu amor, ou melhor seu troféu, esta a caminho tenho certeza." Lutei com tudo dentro de mim, para ignorar sua provocação. Forcei meu cérebro a não imaginar a cena que ela descrevera. Se eu me permitisse, seria meu fim.
"Bom, terá que esperar, papai não esta no castelo no momento." Informou Milla, sentando no pequeno sofá que me lembrava um trono.
"Claro, que ele não esta aqui... vou esperar, preciso sair dessa merda de mundo logo!" ataco, iniciando minha subida pela escada que leva aos quartos, queria muito tomar um banho, tirar a sujeira e me jogar numa cama quentinha com roupas limpas.
"Onde pensa que vai?" pergunta minha querida irmã.
"Não que seja da sua conta, e nem é porque nossa conversa esta intensamente adorável..." disse com ironia. Revirei os olhos e completei."Para o meu quarto" continuei andando.
"Não. Você não tem um quarto aqui." Gruniu, a doce falsa Milla. Sem mover um dedo no seu lugar. Ela completou.
"Guardas. Acompanhe minha irmã para seus aposentos no... calabouço!" disse exaltante.
A fitei com pena. Não consegui nem ter raiva dela. Era triste olhar para aquela jovem, com tantas coisas boas a seu favor, e tudo que ela pensava era ver o meu mal.
Eu ri. Um riso triste e cruel. Mesmo quando os guardas pegaram meus pulsos com força, jogaram minha besta longe de mim, e retiraram minha mochila, ainda assim eu sorri. Era um sorriso frio, calculista, mas muito mais sincero que qualquer palavra que Milla possa usar um dia.
"Por que esta rindo? Ficou louca?" ela perguntou incrédula, levantou de seu trono e seguiu ate onde eu estava.
"Não, apenas que apesar de estar suja, com fome, sem chances de ter meu grande amor de volta, ou mesmo com poucas oportunidades de voltar pra casa, é de você que tenho pena... você nunca será feliz... e isso é triste."
Ela se aproximou tanto que se quisesse me beijaria. Não afastei, não tinha medo dela, não sentia nada por ela.
"Eu tenho tudo, sempre tenho o que quero, e é por isso que serei feliz. Enquanto você apodrecerá no calabouço."
"E ainda vivendo lá talvez eu possa ser mais feliz que você, afinal Milla, você vivendo aqui, com dinheiro, comida e príncipe, nunca terá amor... não te mata saber que quando se deitar com ele. Ele estará pensando em mim?"
Milla ficou vermelha, e eu ingênua não previ o que veio pela frente, mas confesso que ver a raiva transbordar em sua face foi o melhor presente. Milla me deu uma bofetada, que fez com que eu cuspisse sangue.
"Podem levá-la." Completou com um abanar de mãos.
Prisioneira em um castelo? Quem diria.
Não sei quantos dias passei naquele lugar frio e fedorento, ali vivia os maiores ratos que já vi, no primeiro dia tentei escalar as paredes com medo de levar uma mordida, mas logo fiquei fraca, com fome e sede -não apareceu ninguém para me alimentar- eu soube então que estava ali para morrer.
O dia não chegava ali, não haviam janelas, nem entrada de ar, por isso o ar era pesado e rarefeito. Ouvia ruídos e gritos, mulheres na maioria das vezes, prisioneiras como eu conclui com pesar.
Senti que no dia que cheguei aquele antro, não fiquei parada um segundo, tentando de alguma forma fugir, sair dali, mas com o tempo percebi que passava mais tempo dormindo no chão úmido e frio, do que fazendo qualquer coisa. Eu estava morrendo.
E naquela nuvem de sono moribundo, eu o vi.
Seus olhos azuis penetravam minha carapaça de dor. E se estendiam ate meu peito, e ali era onde eu desejava que eles permanecessem.

LIVRO 2: Te amo, te amo... Mas ainda te odeio.Onde histórias criam vida. Descubra agora