Capítulo 6 - Perdoar para ser perdoado

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Camila estava tensa. O silêncio no quarto do hospital parecia apenas potencializar o barulho do seu coração em constante aceleração. Os pensamentos ansiosos referentes ao encontro que teria com Allyson em algumas horas associavam-se a inquietude de estar sendo examinada pela doutora Jauregui. Mesmo não admitindo, aquela mulher a incomodava de alguma forma. Os olhos castanhos da latina examinavam o semblante sereno da médica, cujos dedos longínquos apertavam a artéria em seu punho, para aferir sua frequência cardíaca, enquanto os olhos verdes dela encobertos pelos longos cílios miravam os segundos no relógio.

Um minuto que mais parecia uma hora. Um acelerar em seu peito incontrolável e sem razão de ser. Camila franziu o cenho, permitindo-se examinar a mulher com mais cuidado. Era de fato muito bonita, mas ao seu ver parecia carregar uma leve arrogância encoberta em seu rosto angelical. Talvez essa impressão estivesse conduzida pelo incomodo que a latina sentia, decorrente do enfrentamento. Sim, porque, a doutora sem receios disse o que ela precisava ouvir, mesmo que ela não quisesse. Manteve-a internada, mesmo sob seus questionamentos e "achismos". Conseguiu convencê-la a comer com extrema habilidade. Como? Camila não sabia explicar. Estava sendo facilmente persuadida por uma estranha que até então, em poucas atitudes, fez mais do que seus amigos conseguiram ou mais do que ela mesma conseguiu fazer por si. Parecia que ao invés de tentar escalar o muro, havia apenas criado uma passagem por ele, sem grandes esforços.

Fato é que o ser humano muitas vezes reclama da mentira, mas diante da verdade se vê contrariado. Seu ego é ferido e a vaidade tenta sobressair-se, instigando-o a agir com orgulho que muitas vezes cega, emudece e corrói. Talvez esse fosse o caso dela afinal. Julgara Ally mal e poderia estar julgando a médica pelo mesmo viés do orgulho. Camila suspirou incomodada consigo mesma. Afastou dois amigos queridos de seu convívio apenas por que recusava-se a enxergar os próprios erros. Afastou sua melhor amiga também, e ao menos não fora estúpida de ofendê-la. Já bastava ter cometido esse erro com Ally e Troy. Sabia que ambos não mereciam nada daquilo, principalmente Allyson que sempre fora doce e cuidadosa, praticamente uma irmã mais velha. E agora, vulnerável no leito do hospital, havia tempo o bastante para refletir sob seus atos. Tempo o bastante para arrepender-se, mas nenhuma ideia de como pedir perdão.

O suspiro pesado da jovem latina interrompeu a concentração de Lauren e quando ela fitou o rosto de Camila, percebeu que sua paciente estava perdida em algum pensamento distante. O corpo no leito e a mente em outro plano qualquer. A doutora não conseguiu evitar de sentir-se intrigada. Sabia que aquela mulher carregava um peso enorme em si. As questões da alma adoecem o corpo. A psique está tão entrelaçada ao organismo biológico quanto as células ao DNA. Corpo, mente e espírito são elos de uma mesma corrente. Os sintomas clínicos de Camila eram pura consequência de sua tristeza, suas mazelas morais. Lauren teve compaixão dela. Não movida por simples piedade, mas sim por um carinho amigo. Um carinho que brotava em seu peito naturalmente, desde quando vira a irmã de Sofia pela primeira vez. Teve ainda mais vontade de ajudá-la, mas sabia que precisava ser cautelosa. Não podia agir como se soubesse que a dor dela provavelmente era oriunda da morte da garotinha.

- Vou precisar tocar seu abdômen e apertar alguns pontos específicos tudo bem? Camila saiu do transe, encarando a médica e assentindo em silêncio ao passo em que empurrava o lençol na altura das pernas – Certo. Se doer em algum local por favor me diga.

As mãos de Lauren tocaram então seu abdômen, as laterais da cintura e próximo as costelas. O coração de Camila pareceu bater mais forte e ela não soube dizer se era por estar desconfortável em ser tocada, ou se porque era aquela intrigante mulher quem o estava fazendo. Sentiu uma dor fina quando Lauren apertou um ponto na altura do pulmão e fez uma careta em reflexo.

- Dói? Perguntou cuidadosa e Camila confirmou. – Pode ser algo muscular, por estar deitada muito tempo.

- É o pulmão dela, eu posso ver!

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