Carnal

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a carne é feminina pois é rosa
está na carne o segredo do que é ser mulher
encarna um personagem em um espetáculo
recebe as dores como teu aplauso
a carne encardida do mercado
é preciso coragem para ser mulher
e sentir teu dia amaldiçoado
seria a semana, seria o mês ou o ano?
é quase a vida inteira
é na carne que se encarna a santa
(ou a puta)
que não conseguimos jamais ser
no carma de interpretar seu papel
ser irmã e amante, mãe ou transa
jamais humana
ser humano é outro patamar
precisa ser homem, precisa de masculinidade
precisa ser hétero até a carne
e as outras carnes, abusar
cuspir, xingar, matar, estuprar
até a carne sangrar
sem generalizar, é claro
a gente precisa ter cuidado
mas era na carne tatuado
no mundo o meu lugar
precisa de coragem pra ser mulher
e coragem não é dom
a gente ganha depois de alguns hematomas
depois de uma ou outra mão boba
depois de um salário diferente
depois de ter sua identidade negada
depois de levar uma lampadada
depois de pelo asfalto ser arrastada
depois de pela polícia ser espancada
depois de pelo namorado ser assassinada
e pros cachorros, oferecida
mastigando a dor até a carne
encascora a pele de mais um dia
carne gostosa, carne macia
carne bela na cama
carne jamais admirada
file mingnon e peito,
o cérebro é miúdo desnecessário
que seletivo é o açougueiro!
selecionando o melhor corte pro mercado
e na janta se olha o formoso corpo
carne é produto
e propriedade
solte-se apenas na cama
na mesa, no prato
em público, é pecado
que beleza essa carne
em seu prazo de válidade
mas carne precisa ter qualidade
e muda, encarna o papel de mulher
viver seu destino manifesto
sangrando do coração ao cérebro
para ser, apenas o que o açougueiro quer

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