Verão de 1953 – Estados Unidos da América
A bela casa de dois andares dos Blakes que ficava no interior dos Estados Unidos estava em chamas. Mariah Blake corria para o lado de fora com as duas irmãs mais novas, gêmeas – não idênticas –, protegendo-as como o pai havia ordenado que fosse feito caso algo estranho viesse a acontecer durante a semana que se seguia.
Mariah estava com vinte e cinco anos nesta época, enquanto as gêmeas exibiam a frágil constituição de crianças de cinco anos. Quando alcançaram o quintal da casa, que era cercada por uma densa mata, se viraram para a construção que ardia em chamas. As pequenas, Sophia e Dana, se agarraram às pernas da irmã mais velha como reflexo do que estava acontecendo. Contudo, seus olhos não demonstravam o mesmo tipo de sentimento, beirando a apatia perante tal fogo do inferno que lambia as paredes daquele lar.
Então era mesmo tudo verdade? Mariah se perguntou ferozmente. Dias antes, seu pai a havia chamado para uma conversa em particular enquanto as pequenas brincavam na sala. Sentaram na cozinha, próximo à janela já que ele estava fumando. Ela aproveitou para tomar seu café enquanto conversava. De início ele a questionou sobre como andavam as coisas no trabalho – ela trabalhava no caixa de uma loja de departamentos no centro da cidade, que ficava a uns 8 km dali – o que a fez desconfiar do pai quanto ao verdadeiro assunto que ele desejava tratar.
– Qual o problema, pai? – Mariah questionou. – Desde a morte da mamãe que você começou a enrolar sobre o que realmente quer falar.
O rosto do pai, que antes se mostrava despreocupado, tomou uma feição assustadora por trás da fumaça do cigarro que ele, sem querer, soltou para dentro da casa e não pela janela como costumava fazer.
– Mariah... – a voz dele foi poderosa ao dizer o nome dela e misteriosa com o que veio a seguir. – Você precisa me prometer que vai cuidar de suas irmãs se algo me acontecer.
– Nossa, pai! – ela o recriminou. – Por que isso agora?
Ela foi se levantar para verificar se as irmãs haviam ouvido aquilo. Preocupou-se, pois não seria bom se as pequenas Sophia e Dana passassem a achar que ficariam sem pai, já que a mãe havia falecido justamente no nascimento delas. Quando Mariah afastou-se da mesa, ele a agarrou pelo pulso, puxando-a de volta e dizendo:
– Sua mãe não morreu no parto das gêmeas... – ele foi seco com as palavras; seco e direto.
Foi tão direto que Mariah sentiu como se tivesse levado um soco direto no estômago. Como não morreu no parto? Foi isso que vocês me contaram. Mariah, que estava fora de casa para estudar, levou uma semana para voltar quando recebeu a notícia da morte da mãe no parto das gêmeas. Todos sabiam que era uma gravidez de risco devido à idade dela, mas tinham fé de que tudo fosse acabar bem depois de tantos tratamentos que não deram certo.
– O que foi que você disse? – Mariah perguntou assim que se recuperou do choque, voltando a se sentar e procurando falar o mais baixo possível para que as irmãs não escutassem.
O homem tragou seu cigarro enquanto voltava a olhar para fora pela janela, soltou a fumaça e disse:
– Na verdade, sua mãe morreu três dias depois do nascimento das gêmeas.
– Então foi por problemas que vieram do parto – ela disse, se esforçando para relembrar a história que lhe foi contada quando chegou da viagem que confirmava sua desistência dos estudos para ajudar a família.
– Errado. Ela foi assassinada.
– O quê? – Mariah deixou os braços caírem junto ao corpo assim que este soltou todo seu peso sobre a cadeira. Porém, ela não teve muito tempo para colocar as ideias no lugar. Seu pai a agarrou pelo braço e a levou até o sótão.
– Para que vocês continuem em segurança, você precisa saber logo da verdade.
– Que verdade?
A entrada no sótão sempre fora proibida. Mariah se questionava quanto ao porquê daquela conversa louca ser a razão pela qual o pai agora o liberava. Ele abriu o cadeado que impedia o acesso às escadas que levavam ao local e pediu que ela subisse na frente. Bem próximo ao último degrau era possível encontrar o interruptor da luz e Mariah mal pôde acreditar no que viu quando o pai o ligou.
De um lado, uma escrivaninha repleta de livros antigos estava cercada de recortes de jornais e revistas colados nas paredes. Ao lado dela havia outra mesa longa coberta por um pano branco encardido que ocultava vários objetos. Do outro lado, mais livros antigos jogados pelo chão, rodeando um desenho estranho feito sobre a madeira e que combinava com outros traçados feitos nas paredes. Era algum tipo de escrita que Mariah não conseguia entender.
– O que significa isso? – Mariah estava horrorizada.
– Tudo o que foi e ainda é feito neste sótão tem protegido nossa família desde o dia que suas irmãs vieram para esta casa – disse ele enquanto soltava a fumaça de mais uma tragada do cigarro, não mais se importando se fazia isso dentro de casa ou não.
– Protegido de quê? – ela teve que se conter para não gritar; para ela o pai estava louco.
– Do pai das suas irmãs.
– Que pai das minhas irmãs? VOCÊ é o pai delas! Tá ficando louco? Anda bebendo escondido? – dessa vez Mariah não evitou gritar, o que chamou a atenção de Sophia e Dana.
As duas apareceram nas escadas, mas recuaram e choraram assim que pisaram o primeiro degrau para o sótão. Mariah desceu correndo, abraçando-as e acalmando-as com suas palavras de ternura, agradecendo a Deus quando escutou o sino tocando do lado de fora anunciando a chegada da babá. Mesmo o pai sendo um rico empresário que comandava os negócios na cidade grande daquela casa no interior, havia uma mulher que tomava conta das meninas e da casa enquanto Mariah ficava fora.
A babá entrou, cumprimentou a todos e, assim que subiu com as pequenas para o quarto, Mariah rapidamente pegou suas coisas para trabalhar. Não queria ficar na presença do pai enquanto ele estivesse naquele estado de loucura. Contudo, antes que deixasse a casa, ele a segurou e disse:
– Nós não temos tempo, Mariah. Ele está vindo atrás delas sob o comando de seu mestre. Você precisa saber da verdade.
– Pai, você deve estar bebendo e agora não está falando coisa com coisa. Quando eu voltar, nós conversamos.
Quase implorando, o pai conseguiu fazer com que a filha mais velha ficasse em casa por mais alguns minutos. Eles voltaram ao sótão e lá ele confidenciou coisas tão absurdas para um homem que sempre se mostrou cético que Mariah optou por fingir que acreditava. Não só histórias sobre o suposto verdadeiro pai das gêmeas ele contou, mas descreveu a forma como a esposa morreu três dias depois do parto em seu quarto de hospital. Somente quando ele mostrou os recortes das revistas e jornais é que um pouco de coerência por parte dele começou a ser vista pela filha. As notícias falavam de mortes estranhas ocorridas no período em que as gêmeas ainda estavam no ventre da mãe e que envolviam pessoas próximas; assim como mortes e casos estranhos nas cidades vizinhas.
Então ele realmente estava falando a verdade. Mariah terminava de recordar a conversa com o pai dias antes quando Sophia puxou o tecido de sua jaqueta. As chamas refletiam nos olhos da criança como se pertencessem a ela e sua simples visão causou o pior dos arrepios que Mariah já havia sentido na vida. Ali estava o fogo, mas, ao mesmo tempo, um pedido da garotinha.
Proteja-me.
YOU ARE READING
Prisioneiro dela
RomanceA família Blake foi escolhida para algo do qual não queria fazer parte. Fugir se tornou a única solução, ou pelo menos era nisso que acreditavam. Débora Blake, a mais nova da família, carrega a sina de ser perseguida por demônios sem saber o porquê...