Capítulo 02 - Barbara

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Se fosse fácil admitir que estou com problemas eu já teria feito isso há algum tempo. Provavelmente eu conseguiria encontrar uma saída se simplesmente aceitasse a verdade ao invés de me sentir ofendida. Infelizmente meu orgulho não me permite dizer para ninguém o que realmente está acontecendo e eu sempre acabo inventando uma desculpa qualquer. No entanto eu sinto que desta vez é diferente. Eu não tenho como mentir para o garoto que está me encarando e aposto que ele saberia dizer se eu não falasse a verdade.

O que eu preciso?A resposta é tão óbvia que eu me pergunto como ninguém descobriu até agora. Primeiro, eu preciso de dinheiro; muito dinheiro. Depois eu gostaria de encontrar um bom lugar para minha mãe morar enquanto eu estiver fora da cidade, mas é claro que isso só vai acontecer se por algum milagre eu conseguir o dinheiro até o final do mês.

— No momento eu preciso de um reboque que aceite trabalhar de graça. — Acabo decidindo contar uma meia verdade. Eu realmente preciso levar meu carro de volta para o trailer e só tenho uma nota de dez dólares na carteira.

— Isso vai ser complicado... — Ele apoia o queixo em uma das mãos e me encara profundamente. Por mais que eu tente, não consigo desviar o olhar de suas pupilas ovais. Sei que ele está usando uma lente, pois não é humanamente possível ter pupilas felinas, mas mesmo assim é tão interessante que me faz querer ficar olhando para ele.

Quando o vi no balcão só notei os piercings em sua sobrancelha e o cabelo preto com as pontas descoloridas, mas agora que ele está mais próximo eu posso ver que além das lentes, ele também tem tatuagens subindo pelos braços e pescoço. Os desenhos que se formam em sua pele seguem um padrão de teia de aranha e há um "x" marcado nas costas de ambas as mãos. Talvez isso tenha algum significado para ele, mas ao meu ver são diagramas interessantes e me faz imaginar se ele tem mais marcas escondidas debaixo das roupas ou se aquele desenho se modifica em alguma parte que não posso ver.

Após desistir de tentar descobrir qual imagem se forma com as linhas negras escondidas sob as mangas de sua blusa preta, volto a lhe encarar e percebo que ele está segurando o riso. Sinto minhas bochechas corarem, mas torço para que ele não perceba nada. É óbvio que ele falou alguma coisa que eu não escutei enquanto estava secando suas tatuagens.

— O café está ótimo, obrigada. — Dou um longo gole sem saber o que mais dizer. Não quero ter que pedir para ele repetir o que falou e confessar que não estava prestando atenção.

— Eu posso te dar uma carona quando meu turno acabar. — Ele encara o senhor barbudo atrás da caixa registradora. — Você está com pressa?

— Não. — Respondo muito rápido, fazendo com que ele levante as sobrancelhas. — Eu estava voltando para casa.

Prefiro não entrar em detalhes e Zander assente, aceitando essa explicação. A verdade é que ultimamente eu tento ficar o maior tempo possível fora de casa. Desde que me formei no colegial e todos os meus sonhos de entrar em uma faculdade evaporaram eu não consigo mais entrar no pequeno trailer e sorrir para minha mãe fingindo que tudo vai acabar bem. Eu acreditava nisso até o ano passado, mas essa ingenuidade acabou quando eu percebi que nenhuma fada madrinha iria aparecer e pagar minhas despesas na faculdade. Somente quando vi minhas amigas indo embora enquanto eu continuava aqui foi que percebi que eu acabaria exatamente como minha mãe. Não há nenhum futuro para mim além dos limites da cidade. Não vou entrar no curso de medicina, muito menos descobrir a cura milagrosa para alguma doença. No máximo, eu vou conseguir me tornar a funcionária do mês na livraria em que trabalho, mas isso porque a outra pessoa que trabalha lá nunca apareceu e eu desconfio que ela não exista.

— Eu saio em meia hora. Se você quiser esperar, posso te levar até sua casa. — Ele se levanta e cruza os braços, deixando os desenhos gravados em evidência.

Um amor fora do comumOnde histórias criam vida. Descubra agora