Lírio chegou em casa cheio de fome. Eram por volta de 19:30 da noite, horário que ele geralmente chegava, por passar tempo na biblioteca que havia alí por perto. Depois de seu curso de Biologia Marinha, que seu pai o obrigava a fazer, ele passava a tarde na biblioteca. Desde que conheceu Raúl, há alguns dias, ele trocou os livros pelo novo amigo. Por quem sentia algo a mais.
- Oi pai, cheguei.
Lírio entrou em casa, cumprimentou o pai, que estava na sala, perto da lareira e foi para o banheiro, lavar as mãos.
Lá, lavava as mãos se olhando no espelho. Não conseguia parar de pensar na situação que estava vivendo.
- 🎶 Não podem vir, não podem ver, sempre o bom menino deve ser...🎶 - ele cantava para o reflexo - 🎶...encobrir, não sentir...encenação! Um gesto em falso, e todos saberão.🎶
Ele suspirou, triste e baixou a cabeça. Mas seu reflexo não o seguiu.
- "Olá, Liam!" - uma voz falou. O garoto ficou assustado.
Ele olhou, novamente, para o espelho a sua frente e viu ele mesmo, mas não era o "ele" habitual.
- O que você quer? - bufou o loirinho.
- "Saber até quando vai continuar com essa farsa e me deixar aqui." - respondeu o Liam-do-Espelho.
- Você sabe muito bem que não posso contar a verdade. Ainda não é o momento certo.
- " Liam eu sou você. Lírio! Eu sou o 'você' que vive escondido. E tudo por quê? Porque o nosso pai tem vergonha de mim, por esse motivo ele te obrigou a usar outro nome, lembra? Pelo visto, um nome de flor é muito feminino para pôr num filho dele."
Ele virou de costas com os braços cruzados.
- Ele pode não ser o pai perfeito, mas é a única pessoa que me restou. Se ele souber a verdade sobre mim, vai ser o fim, vou perder o pouco que consegui. Minha mãe se foi, agora não tenho mais ninguém.
- "Não é verdade, você tem o Raúl. Ele nunca vai te abandonar, tenho certeza. Conta a verdade para ele!"
- Você não sabe o quanto eu tentei, eu juro, mas não consegui ainda.
- "O que você sente por ele é de verdade?"
- Não sinto nada mais do que amizade pelo Raúl. É só isso que eu tenho que sentir, amizade, nada mais.
- Liam, por favor, não tente enganar a si mesmo. Seu coração dispara quando está perto dele. Sempre que vocês se abraçam, da vontade de não largar mais.
O menino fora do espelho bufou novamente. - Pode até ser, mais isso não é certo, eu tenho que tirar esse sentimento de dentro de mim. Ninguém ia aceitar. Muito menos Deus.
- "E você vai deixar que gostem de você baseados numa mentira?" - retrucou o reflexo - "Você não pode viver com medo a vida toda, não há nada de errado em falar o que você sente para as outras pessoas, continuar sofrendo calado só vai te fazer mal. Eu sei o que você sente e você sabe que eu estou certo. Por favor, me tira daqui, não aguento mais me esconder." - Liam-do-Espelho batia no vidro.
- Me desculpa. Isso é tudo que eu mais queria, mas não posso. O preço é muito alto. - o garoto secou a mão e saiu do banheiro, tremendo e em lágrimas, secadas às pressas para que o pai não percebesse.
- O que têm pro jantar? - perguntou Lírio ao pai.
Walter estava sentado em sua poltrona habitual, do lado da lareira, que estava acesa. Na verdade, Liam percebeu que a casa estava com a iluminação muito baixa, predominando o fogo ardente da lareira.
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O Garoto da Torre
Teen FictionRaul em breve fará 18 anos, e o máximo que ele conhece são as paredes frias de seu apartamento, sem quase nunca ter tido contado com o mundo exterior. Seu maior sonho é ter sua liberdade e ser quem ele quiser, mas a rigidez e os fantasmas do passado...