Quando soube da notícia nem queria acreditar, não podia ser real. Simplesmente não podia. Recusei-me a acreditar. Sempre ouvi dizer que a negação era o primeiro passo para chegar a qualquer lado...
Apesar de ter vivenciado tudo, nunca acreditei que fosse verdade. Nem mesmo quando os médicos o confirmaram, nem quando o vi estendido no caixão...
Como é que o mundo podia ser tão injusto, cruel, maléfico? Qual é realmente o sentido da nossa vida nele? Para quê que serve mesmo? Um dia seremos todos esquecidos, tudo aquilo que achamos que foi importante deixará de existir, tal como a memória de tal... a vida é efêmera, ridícula, inútil.
1 ano depois...
Estava a ir para a sala, os corredores estavam cheios de gente, mais cheios que o normal. Estava a chover lá fora, não tinham mais nenhum sítio para onde ir. Passava rapidamente pelas pessoas, já estou habituada a esta confusão logo pela manhã. Mesmo com os encontrões, conseguia não entornar o meu precioso café.
Apesar de não conhecer pessoalmente mais de metade das pessoas, as caras já me eram habituais. Quando cheguei à porta da minha sala, bati por cortesia, mas não esperei que abrissem. Entrei, já era hábito estar atrasada.
Mal a campainha tocou, assinalando o fim da aula a Elizabeth veio ter comigo. Nem me lembro quando é que nos tornámos amigas, até porque quando a conheci, não gostava nada dela, informação que já partilhei imensas vezes com ela. Com o tempo habituei-me à rapariga, pálida, morena de olhos cor de mel, mais baixa que eu e um amor de pessoa tremendo.
"Vamos comer?" perguntou-me, "como é óbvio, amiga", ri-me, era praticamente o nosso ritual. Enquanto descíamos as escadas, para o café, choquei contra alguém que quase que me fez cair. Senti uma mão na anca, para me estabilizar e ouvi uma voz rouca a desculpar-se. Não disse nada, não vi quem era, mas por alguma razão fiquei perplexa. Quando já estava no fim da escadaria ouvi a mesma voz "Vê lá se da próxima não cais, princesa." Voltei a cabeça, mas ele já lá não estava.
"Não acredito, e tu saltaste mesmo?" perguntava a Rita quase sem respirar à Elizabeth que fica cada vez mais vermelha. " Sim, eu pensava que funcionava..." "Juro , tu és doida. Tentaste voar com um guarda-chuva" disse-lhe. " Nos desenhos animados funciona." A Rita hoje juntou-se a nós, no nosso segundo pequeno-almoço. Uma das minhas grandes amigas de infância, uma rapariga destemida, de olhos verdes e cabelo curto loiro.
Enquanto voltávamos para a escola, a Rita ia nos falando da sua nova paixoneta, a Elizabeth dos seus novos projetos, eu contava as minhas piadas secas... o normal. "Vocês também vão para o auditório?" " Eish, ainda bem que me lembras Rita... já me tinha esquecido da palestra" nunca gostava das palestras da escola, eram duas horas de pura seca obrigatória. O pior é que como já estávamos atrasadas, encontrar lugares juntas ia ser complicado.
Quando lá chegámos, confirmei as minhas suspeitas. Já só haviam lugares isolados, a Rita sentou-se ao lado de uma amiga de cabelos compridos, a Elizabeth lá à frente, ela sempre foi a betinha. Enquanto a mim restou-me um lugar na última fila, no último lugar. Ainda não estava ninguém sentado ao meu lado, mas encontrava-se uma mala cinzenta a marcar lugar.
Achei estranho, pois a palestra, sobre o ambiente já tinha começado, há minutos, nós entramos em pezinhos de lã tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas mesmo assim metade das pessoas olharam para nós. Já estava aborrecida, comecei a fitar as minhas roupas. Estava normal, com as minhas botas castanhas, umas calças de ganga e uma blusa branca. Gostava do look, ficava bem com a minha tez morena, olhos castanhos aborrecidos e cabelo longo liso quase preto. Do nada, senti uma mão na minha perna, olhei e deparei-me com uns olhos azuis quase cinzentos. Um rapaz cerca de 4 anos mais velho que eu, devia ter uns 22. Tinha o cabelo rapado, a barba por fazer, estava todo de preto, mas não tinha um ar gótico.
Durante uns segundos ainda fiquei perplexa, mas quando vi o a sorrir, aquele sorriso, irritante. Retirei-lhe a mão rapidamente. Mas, o sorriso não se desfez. Não sabia o que dizer, estava sem palavras. Decidi simplesmente olhar para o lado.
A minha cabeça estava a mil à hora. Quem era? Quando é que tinha chegado? Como é que eu não ouvi nada? A presença dele não me deixava confortável, o facto de sentir o olhar sobre a minha pele, não ajudava. Na parte de trás da minha cabeça sentia algo estranho, tinha um pressentimento negativo sobre este rapaz.
A mão voltou, agarrei e tentei tirá-la, mas ele não largava. Só agarrava com mais força. Olhei furiosamente para ele, mas não surtiu efeito nenhum. Também estava à espera do que? Eu comparada com ele pareço uma criança. Não é que seja baixa, até sou minimamente alta, magra. Mas ele, tinha quase mais uma cabeça que eu e uns ombros largos, era forte.
Estava a começar a ficar frustrada, voltei me para o homenzinho que estava a falar. Por alguma razão não saíam palavras da minha boca. Também não conseguia olhar para ele, deixava-me desconfortável.
A palestra terminou, passei duas horas com a mão de um rapaz na minha perna, que nem sequer devia estar nesta escola. Os mais velhos tinham no máximo 20 anos. O pior é que passado um tempo o calor da mão dele até soube bem, senti a falta dele quando me levantei e peguei bruscamente na mala.
Quando ia passar por ele, puxou-me pela mão e sussurrou no meu ouvido " Tens de deixar de ser tão rude, princesa."
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Abandonada
RomanceMia, aos 17 anos passou por uns dos momentos mais complicados da sua vida. Do qual afinal não sabia tudo. Quando aos 18 consegue voltar a recompor-se, aparece Salvador que a desequilibra. Mia na verdade não sabe o que realmente aconteceu há uma an...