Capítulo 6

2 0 0
                                    

Seguia o Salvador enquanto ele subia as escadas, paramos em frente de uma porta de madeira. "Podes entrar, eu já volto."

Abri a porta, havia uma cama de casal azul escura no meio do quarto. O quarto em si era arrumado, haviam algumas fotografias espalhadas tal como roupa. Sentei em cima da cama, quando reparei numa das fotos em cima da mesinha de cabeceira. Eram 5 rapazinhos, com mais ou menos 8 anos. Um deles era o meu irmão. Conhecia aquele ar de reguila em qualquer lugar. Com o braço à volta dele está um pequeno Salvador, era impossível não reconhecer aqueles olhos. Ele não estava a mentir.

Ouvi a porta do quarto a abrir, virei-me e vi o Salvador a entrar. "Vocês era mesmo amigos." "Eu disse-te." a voz dele era triste. Gostava de saber mais, mas sei que ele não me vai responder.

"Hmm onde é que vou dormir?"

"Aqui." respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do Universo. Nem sequer olhou para mim, continuou focado no armário.

"Mas este é o teu quarto, eu posso dormir na sala, não quero incomodar."

Finalmente olhou para mim. "Não, vais dormir aqui, comigo." dito isso atirou-me com uma t-shirt cinzenta e uns calções do Benfica.

"Eu não quero dormir aqui, nem contigo." cruzei as mãos à frente do peito.

"Princesa, quê que ainda não percebeste da parte que és minha? Achas mesmo que eu vou te deixar longe da minha vista?" parecia que eu era uma presa, ele ia se aproximando lentamente de mim. Mas desta vez com um olhar brincalhão na cara.

"Eu não sou tua e eu não vou sair aqui de casa, que diferença é que te faz?" podia ver perfeitamente que ele não queria saber dos meus argumentos, que não me estava a levar a sério.

Ele parou de se aproximar de mim. Foi em direção à cama e sentou-se. "Tens 5 minutos para te deitares, se não for a bem é a mal" tirou a t-shirt e as calças ficando só de boxers.

Engoli a seco. Que corpo, este homem era perfeito. Tinha um corpo super definido, mas não era musculado em exagero. Fico nervosa só de pensar que ele quer que me deite ao lado dele. Não quero.

"Isso não é justo e os calções são do Benfica." torci o nariz.

"Deixa de ser criança. Tens sempre remédio, não os ponhas." ele ria-se perfeitamente da minha cara.

"Tu fazes de propósito não fazes?"

"Claro que sim. Mas olha o tempo está a passar, faltam 2 minutos."

Acredito que às vezes ser teimosa é um defeito, mas orgulho-me de o ser. Sentei-me no chão. Para ele perceber perfeitamente que não ia ceder às exigências dele. Parecia que estávamos a jogar ao jogo do sério, a testar qual de nós é que ia quebrar primeiro.

Do nada, ele levanta-se da cama, dá dois passos e agarra-me. Eu nem tive tempo de reagir. "O tempo acabou." puxa o zipper do meu macacão para baixo. Eu ainda me tentei virar e 'lutar', mas ele não me deixou. Quando dei por mim já estava só de roupa interior. "Eu não olho, levanta os braços." senti a t-shirt a ser enfiada pelo meu corpo.

"Então queres os calções ou não?" ia mesmo contra o meu orgulho de sportinguista e ia vestir uns calções do Benfica? Isto era uma situação em que ele ganhava de qualquer maneira. Ou punha temporariamente o meu orgulho de lado, ou teria de passar a noite toda desconfortável.

"Sim." levantei os pés de modo a ajudá-lo. Quando finalmente senti o elástico na cintura, ele falou "Então também queres que te leve para a cama?" "Não é preciso, eu sei o caminho" comecei a andar para a cama quando senti uma palmada no rabo.

"Tu podes parar de abusar!" ele riu-se para variar.

Abri a cama e deitei-me na cama, na ponta. O mais longe possível dele. Bastava mexer-me mais um centímetro para a direita que caia da cama. Senti a cama a baixar um pouco do meu lado esquerdo, sinalizando que ele já se tinha deitado outra vez.

Fechei os olhos. Mas o sono não vinha. Não sei quanto tempo é que passou. Senti a cama a mexer e o Salvador a puxar-me para perto dele. Continuei a fingir que dormia. De certo modo o calor que radiava do corpo dele era aconchegante. Quando dei por mim já tinha adormecido.

----

Só via sangue. Não parava de escorrer do corpo dele. Um pouco por todo o lado, da cabeça, da boca, do peito. Não conseguia respirar. Eu falava com ele, repetia a mesma frase, vezes e vezes sem conta. Talvez se dissesse, que tudo ia ficar bem, talvez realmente se tornasse verdade.

A minha cabeça estava à roda. Não sei se era do soco que tinha levado ou do facto de ver o meu irmão naquele estado.

O comboio parou. Entraram polícias, bombeiros... pessoas. Eu não parava de chorar, enquanto via o corpo do meu irmão ser assistido e levantado para uma maca. Tentei segui-lo, eu ía para onde ele fosse. Mas, não me deixaram. Uma polícia agarrou-me o braço e disse que a tinha de seguir.

"Largue-me!" sacudi o meu braço de modo a que ela me soltasse, não resultou.

"Mia, faz o que ela diz." ouvi a Elizabeth a dizer. Ela e a Rita estavam as duas abraçadas, estavam assustadas. Tinham-me tentado parar, levar para longe, mas não conseguiram.

-----

"Princesa acorda!!"

Senti o meu corpo a ser sacudido violentamente. Abri os olhos repetidamente. Não estava a perceber onde é que estava. Quando finalmente consegui focar a minha visão, lembrei-me que estava no quarto do Salvador. Era ele que me estava a abanar.

"Finalmente Mia. Estavas toda suada e não paravas de gritar." notava-se que ele estava preocupado. Mas esta informação não me surpreendia. Há 1 ano que tinha pesadelos.

Olhei para baixo, senti as minhas bochechas a ganhar cor. Apesar de saber que tinha pesadelos, não me orgulho de os ainda ter. Ainda pior que ele viu o estado em que fico.

"Ahh desculpa."

"Não tens de pedir desculpa." ficou um ambiente tenso no quarto, ele parecia estar desconfortável, ainda mais do que eu. Estava à espera que ele me fizesse mais perguntas, visto que ele era muito intrometido. Mas não.

"Que horas é que são?" perguntei, para tentar mudar de assunto e suavizar a tensão que se encontrava no quarto.

"Quase três da tarde, queres comer?"

Três? O meu avô deve estar tão preocupado. Ele sabia que não ia dormir em casa, mas a estas horas normalmente já estou de volta. O pior é que nem sequer tinha bateria no telemóvel para falar com ele. Precisava de ir para casa e para isso precisava do Salvador.

"Posso ir a casa, pelo menos para falar com o meu avô?"

"Sim."

Fiquei espantada com a resposta. Mas desde que acordei que ele parecia estar diferente.

AbandonadaWhere stories live. Discover now