Capítulo 2

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  A minha respiração parou durante alguns segundos, tal como as minhas pernas. Quando as peças do puzzle se juntaram todas, quase que corri. As minhas pernas moveram-se sozinhas, a minha respiração acelerou.

  Aquele era o rapaz das escadas, aquele ser humano lindo. A minha sensação negativa só piorava.

  Cheguei à porta da minha sala, encostei as minhas costas na parede e deslizei até ao chão. Pus a cabeça entre as pernas e tentei parar de pensar. Os meus pensamentos fluíam entre cenas do passado distante, ao futuro imaginável... foram interrompidos pela voz da Elizabeth. "Fiquei à tua espera, podias ao menos ter mandado mensagem a dizer que tavas aqui." "Desculpa." A cara de chateada dela suavizou, não sei se foi o meu tom de voz ou a minha resposta seca. Mas ele sentou-se ao meu lado e começou a falar do novo livro que estava a ler.

  Estava a ir para casa, com os fones no ouvido, no máximo totalmente desligada do mundo. Um hábito que um dia é capaz de me sair caro. Os meus pensamentos não saíam dos acontecimentos estranhos daquele dia.

  Foram todos janela fora quando cheguei a casa e encontrei a Inês, a minha irmã bebê a dançar com o meu avô. O meu grande amor. "Então pequena, como foi o dia?" dei um beijinho na bochecha do meu avô e despenteei a minha irmã. Enquanto subia as escadas respondi-lhe "foi bom, vou para o quarto."

  Deitei-me na cama a pensar na sorte que tinha de ter o meu avô na minha vida. Como ele sempre teve presente nos momentos mais complicados da minha vida. Especialmente quando ele morreu.

  Quando cheguei ao quarto, liguei os fones e comecei a estudar. Passado algumas horas, o meu avô bateu à porta para me avisar que o jantar estava pronto. Depois do jantar, lavei a loiça, despedi-me de toda a gente e fui dormir.

  Enquanto estava deitada, não me conseguia esquecer daqueles olhos que pareciam o céu nublado.

  O alarme não parava de tocar. Não entendia porque, peguei no telemóvel e olhei para as horas, eram 7:55. Shit. Tinha de sair de casa em teoria em 5 minutos. Praticamente que saltei da cama, peguei numa saia preta, na minha blusa branca quentinha, numa collants, calçei-me e fui lavar os dentes. Já estava praticamente porta fora, quando oiço o meu avô "come alguma coisa." "não tenho tempo", "não sais de casa enquanto não comeres. "disse com uma cara bastante sisuda que eu já sabia que a minha solução era fazer o que ele queria.

  Suspirei e lá me sentei para tomar o pequeno almoço.

  Eram 8:20 quando acabei de tomar o pequeno almoço, já estava 5 minutos atrasada. Saí de casa chateada, demorava 10 minutos a pé num bom dia para a escola. Sempre me irritou chegar a atrasada, agora já não tanto. Mas, quando era pequena muitas vezes tinha de ganhar coragem para entrar na sala de aulas.

  Estava a atravessar a passadeira tranquilamente, tinha quase a certeza que o carro ia parar. Mas não, parou praticamente em cima do meu pé. Abri a boca surpreendida, estava pronta para xingar o condutor, quando vi quem era. Era ele. Que mal é que eu fiz a Deus?

  "Princesa realmente tens de ter cuidado. Se soubesse que eras assim tão distraída, não te deixava fora do meu alcance." riu-se, mas o tom de voz dele era tudo menos 'leve', estava a sorrir, mas tinha um olhar pensador. Este gajo tinha muita lata, quase que me atropela e ainda me trata como uma criança. "Mas quem é que tu pensas que és? Podias me ter morto!" disse furiosa, mesmo sabendo que estava a exagerar, tentei manter a cara o mais séria possível.

  Ele literalmente desatou-se a rir da minha cara. "Afinal ela fala." Agora que penso nisso é a primeira vez que lhe dirijo a minha palavra. "Como é óbvio." Wow Mia, até uma miúda de 5 anos dava uma resposta melhor. "Entra." devia parecer uma parva, a minha raiva de 5 minutos atrás passou-me completamente e simplesmente fiquei a olhar para ele confusa. Não me conhecia de lado nenhum, quase que me atropela, atormenta-me na palestra e agora quer que eu entre num carro com ele. É doido. Mas, mesmo assim ganhei coragem e respondi "não" e continuei a andar sem olhar para trás. Ele intrigava-me, e ao mesmo tempo tinha uma sensação que a melhor coisa que eu tinha a fazer era afastar-me dele. Ele boas notícias não era.

  Finalmente, vi os portões da escola, olhei para o telemóvel eram 8:35, tudo por causa daquele estúpido. Daqui a pouco já quase que não valia a pena ir para a primeira aula. Estava no início do corredor, quando me puxam para a casa de banho dos rapazes. Fui logo encostada à parede mais próxima encurralada por dois braços musculados. Que cliché.

  "Tu pensas que me podes desrespeitar assim!?" ele estava furioso, se os olhares pudessem matar, acho que estaria enterrada. Engoli a seco. Até tinha medo de falar. "Responde-me!" gritou ao meu ouvido. "Eu não fiz nada." a minha resposta saiu quase inaudível, mas não lhe escapou. A boca dele rasgou-se num sorriso maligno. "Não fizeste nada... tu desprezaste me, mais do que uma vez. Ofereci-te uma boleia, e tu nem sequer agradeceste." "Eu não te conheço, nunca entraria num carro com um estranho" desta voz a minha voz estava mais segura, mas mesmo assim estava a andar em gelo fino. Sentia que ele estava quase a explodir.

  Parece que ele ficou surpreendido com a minha resposta. "Tens razão anda, podes me chamar Salvador."

  Olhei-o de cima a baixo como se ele tivesse de acabado de ganhar mais uma cabeça. Como é que alguém consegue mudar de humor assim tão rapidamente. Ele olhou para mim ali especada "Então vens?" "Aonde?". Sorriu levemente, "Já não vais conseguir ir à aula. Vamos dar uma volta." "Não quero." disse secamente.

  O olhar dele mudou, num segundo a tranquilidade que se encontrava no seu olhar desapareceu. Voltou a ficar furioso, agarrou-me no braço e puxou-me da casa banho. Apesar de todos os meus esforços para não ir com ele, ele é bem mais forte do que eu. Arrastou-me pelos corredores, até chegarmos ao carro dele. "Entra." abriu a porta e empurrou-me para dentro do carro. Mal começou a dar a volta para entrar no outro lado do carro, voltei a abrir a porta para sair. "Nem te atrevas, tenho sido muito calmo, princesa. Para de me irritar." Ele não gritou, não era preciso. Com aquele tom de voz fiquei imediatamente congelada e larguei imediatamente a porta do carro. Se ele não estava zangado, estava o que?

  Não conseguia olhar para ele, ficava nervosa. Além disso tinha mil perguntas na minha mente. Porque eu? Este comportamento todo é só porque choquei com ele, não faz sentido nenhum. "Qual é que é o teu problema?!" explodi, já não aguentava não saber o que se passava. Desde que entramos no carro que ele não disse nada, nem sequer pôs música.

  Ele... riu-se alegremente. Virei-me para ele rapidamente, indignada com o facto de ele se estar a rir de mim. "Mas eu disse alguma piada?" "Princesa, sempre soube que tinhas garra." Já não se ria, olhou para mim seriamente antes de falar outra vez "Ai ai se tu soubesses..." okay , ele deve ter batido com a cabeça porque eu não percebo nada do que ele diz. Olhei para ele confusa "Soubesse o que? "Tudo." voltou a olhar-me de baixo a cima enquanto lambia os lábios.

  Os olhos cinzentos dele brilhavam como se tivesse acabado de ganhar um prémio, estava a começar a ficar assustada. Olhei para a janela e reparei que estávamos perto de Sintra, a quase meia hora de distância da nossa escola. "Quero voltar para a escola." disse sem olhar para ele, estava nervosa, tinha um pressentimento na minha barriga que crescia a cada segundo que passava que algo estava errado. "Olha para mim" uma tarefa tão fácil que parecia tão difícil, levantei lentamente o meu olhar de encontro com o dele. Analisou a minha cara durante uns segundos antes de responder "Princesa, quem manda aqui sou eu." "Eu não me chamo Princesa! Tu não mandas em mim, quero ir embora!" explodi outra vez. Estava farta destas respostas enigmáticas dele, de achar que me controlava, só queria sair daqui rapidamente, estava cada vez mais longe de casa.

  "Eu sei perfeitamente como te chamas, Princesa. Voltas a falar assim comigo vamos ter problemas." "Nota-se que sabes." "Acredita no que quiseres, agora cala-te." "Ma-" "Chega" disse firmemente. "Eu se fosse a ti dormia porque ainda vamos demorar"

  Este bacano é completamente doido e eu estou presa num carro com ele, sem saber para onde vou, sem poder falar... onde é que me fui meter desta vez?


AbandonadaWhere stories live. Discover now