Capítulo 3

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  O pior de tudo é que eu realmente adormeci, fiz o que ele me mandou. Quando dei por mim, já tinha a cabeça encostada ao carro e os olhos fechados a levar com o sol. Quando os abri o carro já tinha parado, estávamos num penhasco. A vista era linda, dava para ver Sintra toda, todas as casinhas que pareciam minúsculas. Estávamos rodeados de árvores e flores, parecia um cenário que só existe nos filmes.

  Olhei para o lado e o Salvador estava reclinado no banco a fumar e a olhar da janela, não tinha reparado que já estava acordada. Ele realmente era um ser humano excepcionalmente bonito, com aqueles olhos azuis que pareciam conseguir ler a minha alma. Tinha estilo, vestia-se simplesmente, mas tudo lhe ficava bem, bastava um t-shirt verde oliva e umas calcas de ganga; para me deixar a engolir a seco. Além disso sempre tive uma queda por "carecas". Mas, não é por ser bonito que pode andar a mandar em mim. Não quero nada com ele, o mais longe possível, melhor.

  Até parece que sentiu o meu olhar, quando os meus olhos voltaram para a cara dele, ele já estava a olhar para mim. "É lindo não é ?" acenei que sim. "Porquê que estamos aqui?" ele olhou para as mãos e suspirou. Pela primeira vez parecia vulnerável, menos assustador e mais humano. "Por nenhuma razão, eu disse que íamos dar uma volta." mentira, disse para mim. Não sei porque, mas cheira a mentira. O meu estômago rosnou... senti as minhas bochechas a aquecer... e ouvi o riso dele, era um som tão forte e contagiante que eu própria comecei-me a rir.

  Depois do momento de vergonha, paramos no Burguer King. Não falámos mais, era um ambiente estranho, eu não confio nele e não quero estar aqui. "Tens de me deixar na escola." "Eu já te disse que isto não funciona assim, quem manda sou eu" o lado agressivo voltou. Aquele momento do penhasco foi simplesmente uma anomalia, isto tudo está errado eu simplesmente só me apercebi disso agora. "Não, porque tu não mandas em mim." olheio-nos olhos. "Princesa, tu não fazes mesmo ideia com quem é que estás a falar, pois não?" a cara dele está cada vez mais próxima da minha, a minha respiração parou. Fiquei arrepiada.

  "Podias ser o Papa, isso não me interessa, eu quero que me deixes em paz" arranjei coragem para responder. "Isso é impossível. Porque quando eu quero algo, eu tenho." A mão dele estava no meu pescoço, a cara dele cada vez mais próxima e eu paralisada. Uma sensação cada vez mais comum. Respirei fundo, ganhei força e empurrei-o. Não que fizesse efeito nenhum, porque ele não se mexeu um centímetro. Riu-se da minha cara para variar, olhou-me de cima a baixo e lá se afastou.

  A minha raiva desapareceu, sentia-me agora cada vez mais confusa e frustrada. Não me lembro de alguma vez o ter visto na escola, a primeira vez foi no dia da palestra. Eu já estou no 12º, tenho 18. Ele aparenta ser muito mais velho, o quê que ele andava lá a fazer?

  Já estávamos quase a chegar à minha escola e aproveitei para perguntar "Tu não andas aqui, pois não?" ele sorriu "Não, tinhas assuntos a tratar ." franzi as sobrancelhas . Que assuntos? Mas antes que pudesse perguntar já tínhamos chegado e saí o mais rápido possível.

  "Onde é que andaste?" fui logo bombardeada pela Rita, mal entrei na sala. "Adormeci." o que não era totalmente mentira e bastante credível. Não sei se lhes devia contar o que realmente aconteceu ou não. Elas iam ficar preocupadas, desde do incidente que elas estão preocupadas.

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  "Vocês têm de me largar!" tentava soltar-me dos braços que me agarravam, não sei se eram da Rita ou da Elizabeth.

  "Mia, não há nada que possas fazer." uma delas disse. Elas não percebem. Ele estava mesmo ali à minha frente, a sofrer; enquanto elas me prendiam, deixando-me completamente impotente perante a situação.

  "Por favor..." a minha respiração começou a ficar desregulada, não a conseguia controlar. Estava a hiperventilar. A minha visão começou a ficar escura, até que senti os braços à minha volta a desaparecem e uma dor enorme na minha cara. Caí ao chão com a força do impacto.

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  "AHHHHH!!!!" senti água gelada a descer pelas minhas costas, ainda sem me virar gritei "Eu vou te matar, Guilherme!" "Mia, rua! Entra atrasa e ainda tem a ousadia de interromper a minha aula!" ouvi o meu setor de inglês a gritar. Já não gostava do homem, agora ainda menos. "Eu não fiz nada, a culpa é do -" "Rua!" agarrei irritadamente nas minhas coisas, mas antes de sair tentei matar o Guilherme com o meu olhar. Ele passa sempre as aulas a chatear-me e já não é a primeira vez que me atira com água, mas a culpada sou sempre eu. Para expressar a minha raiva, bati com a porta. Se é para sair, saio em grande.

  Olhei para o relógio já era quase uma, por causa do primeiro estúpido já só tinha chegado a tempo da última aula. Por causa do estúpido número 2, sou mandada para a rua. Mais valia ir para casa.

Para Elizabeth: Vou para casa, quando estiveres pronta avisa.

Elizabeth: Na boa, estou ansiosa por hoje!

  Eu também, ainda por cima depois do dia que tive, bem preciso de sair.

23:00H

  Estava feliz, tinha as minhas amigas e álcool no sistema. "Então, quando me apercebi já estava no chão e estavam todos a rir de mim!" ria-me enquanto contava a história de quando era pequena e caí em cima do palco. "Juro, tu és a pessoa mais desastrada que conheço." ouvi a Rita a dizer enquanto me abraçava. "Vamos entrar?" perguntou a Elizabeth. "Bora" respondi.

  Não pagamos, estávamos giras. A Rita chamava logo à atenção com as suas feições angelicais, loira de olhos verdes, o macacão branco com renda só acentuava esse seu lado. Enquanto que a Elizabeth estava com o seu cabelo apanhado num rabo de cavalo que fazia sobressair os seus olhos castanhos, umas calças de ganga e um top azul com umas botas de salto que lhe alongavam o corpo. Estavam um arraso. Eu também trazia um, macacão, mas azul claro, dava-me um ar de menininha, mas ao mesmo tempo acentuava o meu corpo. Dava ilusão que a minha cintura era superfina, e acentuava as minhas pernas morenas. Tinha o cabelo solto e uma maquilhagem pouco carregada. O azul do macacão contrastava com a minha morenice.

  Bebemos. Dançámos. Bebemos. Dançámos.Bebemos. Dançámos.Bebemos. Dançámos.Bebemos. Dançámos.

  Mas a certa altura ficámos encurraladas. Estávamos a dançar as três juntas, quando somos circuladas por cinco rapazes. No início não ligámos, eles até eram giros e não nos estavam a incomodar. Até que vão ficando cada vez mais próximos, começam-se a esfregar em nós. Eu virei-me para o loiro de olhos azuis que estava atrás de mim e empurrei-o. De nada resultou porque ele voltou. Vi a Elizabeth e a Rita com os mesmos dilemas, a Rita notava-se que estava desconfortável com as mãos de um rapaz altíssimo, na cintura dela. A Elizabeth tinha parado de dançar e olhava para mim. Eu percebi e peguei na mão da Rita, "Vamos embora." suplicou-me. "Agarra-te a mim, que eu vou tentar sair daqui o mais rápido possível."

  Tentei criar um espaço entre os rapazes para conseguir passar, mas eles não deixavam. Irritei-me e ajoelhei um deles, no meio das pernas. Ficaram todos surpreendidos e nenhum reagiu, exceto o que caíu ao chão, enquanto acariciava o seu amiguinho. Aproveitei a distração para me ir embora, enquanto passava pelos corpos suados dançantes, olhei para trás para me certificar que não tinha perdido nenhuma delas. Felizmente não, consegui ver que elas ainda me seguiam.

  Mal alcançámos o ar fresco, desatamo-nos a rir. "Em minha defesa, eles eram muitoo chatos." pus as mãos no ar. "OMD tu és demais, eu nunca teria a coragem para fazer tal coisa." a Rita comentou. "Juro Mia, tu salvaste-nos, aqueles engraçadinhos não nos deixavam em paz, por mais vezes que dissesse para me largarem não percebiam!" disse enfurecida a Elizabeth. "Eu sei, mas esta gente de hoje em dia já não tem respeito?" questionei.

  Antes de irmos apanhar o autocarro, fomos beber mais uns shots, porque ainda era cedo. Se calhar exagerámos um pouco... nenhuma de nós conseguia andar direito. Estávamos na paragem a rir porque a Rita disse que o céu devia ser cor-de-rosa, quando ouvimos uma voz "Olha as engraçadinhas."


AbandonadaWhere stories live. Discover now