Campos Verde, março 2019
Moabe,
Minha vida parece estar fora do trilhos.
Em um momento eu estava feliz com todos meus irmãos e pais em casa e no outro estava desesperada e com peso na consciência. Ruth foi atropelada no domingo a noite e está entre a vida e a morte na UTI, passou por uma cesária de emergência e a Sarah também está na neonatal. Joaquim está arrasado e envelheceu cinquenta anos em três dias.
Aconteceu o seguinte: antes de sair do sítio minha mãe fez uma oração por ela e o combinado era que Tito e Queila a deixassem em casa e se possível esperassem Elisa, a irmã de Joaquim, chegar para não a deixar sozinha. Entretanto, Ruth falou que queria ficar sozinha, iria descansar um pouco e não faria sentido eles ficarem na casa quando ela estaria dormindo. Tito achou lógico o argumento e a deixou no prédio que ela mora às quatorze horas, às dezoito, quando minha mãe inesperadamente juntou todo mundo na sala para orarmos, Ruth foi atropelada na calçada do prédio dela por um motorista bêbado, ele a prensou contra a parede e depois ela caiu desmaiada no chão quando bateu a cabeça e teve um traumatismo craniano.
Ela não deveria ter ido embora no domingo, Moabe, o combinado era que ela fosse apenas na terça, justamente por causa da viagem inesperada do Joaquim, mas porque brigou comigo foi embora antes.
Eu não paro de pensar que ela estar entre a vida e a morte é indiretamente culpa minha.
Se ela não tivesse achado a droga daquela carta não teríamos discutido, ela não teria ido embora e nunca teria sido atropelada. Estamos indo a Campinas todos os dias para dar apoio moral e espiritual para Joaquim. Todos os dias meus pais oram no leito da Ruth e da Sarah… Todos os dias tenho medo de chegarmos lá e recebermos a terrível notícia, entraram em óbito. Sarah, além de não conseguir respirar, tem um problema cardíaco, o coração dela é maior do que deveria ser e isso pode ser fatal. Sei que não tenho culpa, Moabe, mas sou especialista em carregar culpa; ela preenche completamente os meus poros e não tem como não me impregnar.
Tito, Queila, Davi e Marcos voltaram para suas respectivas casas e vidas. Clara, Manu e Nathan permanecem aqui em casa, Miguel está em São Paulo a trabalho… E eu estou pronta para ir a igreja. Tenho ido todos os dias, clamar a misericórdia de Deus na vida da Ruth, primeiro porque eu realmente não quero que ela morra e menos ainda a Sarah, e segundo porque quero que Ele tire de mim esse sentimento de culpa do acidente dela.
EU NÃO TENHO CULPA!!!
Apenas preciso compreender isso.
Tia Sara e tio André chegam amanhã, eles estavam na Bahia em missão e estão arrasados pelo acidente… Tenho vergonha de encarar eles. Parece que a qualquer momento alguém vai me perguntar porque a Ruth foi embora antes do programado e eu terei que dizer que foi por minha causa. E não quero mais esse olhar de pena das pessoas, o peso do acidente do Joel é suficiente.
Eu sinto como se estivesse me afogando no meio da tempestade.
Ainda tem o fato que não consigo falar com Mimi para perguntar algumas coisas.
Tenho me esforçado para lembrar da nossa infância e por mais que eu me esforce não consigo me lembrar da Mimi sendo tão cruel, só uma criança levada e nada mais. Porém, seguinte minha mãe (eu perguntei como éramos quando criança antes de recebermos a notícia da Ruth) ela era o cão. Eu não lembro dessa Mimi, será que isso significa que eu também era o cão?
Será que talvez eu alterei minhas lembranças e a Ruth não era tão irritante quanto eu sempre pensei? Não saber está acabando comigo.
Preciso falar com a Mimi, mas ela saiu para o campo e isso significa evangelizar em áreas afastadas da cidade, que por sua vez quer dizer isolamento. Ser missionária não é fácil, ainda mais quando se é a pessoa que precisa muito falar com a missionária. Muito mesmo.
Também quero entender como a Ruth achou a carta, porque tirei da gaveta da escrivaninha e guardei junto com meus pijamas, justamente pra ninguém encontrar. Não lembro de ter deixado alguma para trás... Por quê tinha que ser justo a carta que falo dela? Não poderia apenas ser aquela que pergunto por você? Ou a que falo da Clara? Ou qualquer outra?
Minha sobrinha está me chamando, significa que está na hora de ir ter um particular com Deus.
Ou quase isso, já que ainda não tenho forças suficientes para orar.
Desesperadamente,
Laura##
Oie!
Eu estou com problemas com os domingos! Por isso, por enquanto, sem dias fixos de capítulo :/O que estão achando de Laura e cia? Me contem, sim?!
Beijos e chocolates,
Juliane Patrícia, 25/06/2019
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[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu Deus
DuchoweApós encontrar um bilhete que não lembra de ter recebido, Laura - que troca cartas com a prima Noemi - tem o impulso de escrever ao remetente cartas cheias de emoção, confissões e amor, buscando responder a persistente pergunta: quem é Moabe? Fazend...