A Décima Nona Carta

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 Campos Verde, março 2019

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Campos Verde, março 2019

Moabe,

Eu sonhei com a Ruth. No meu sonho estávamos balançando em um balanço que tinha no sítio, quando inesperadamente ela começou a me balançar muito alto e mesmo eu pedindo que ela parasse não parava, até  que eu caí, neste momento ela começou a rir e me chamar de fracote. Acordei.

E não voltei a dormir.

Contei o sonho para minha mãe e ela me disse algo horrível. É uma lembrança invertida. Eu fazia muito isso com a Ruth, a balançava bem alto até ela ameaçar chorar ou começar a gritar. Parei quando ela caiu e minha mãe me deixou uma semana sem a bicicleta. Não é uma lembrança horrível porque foi algo absurdo, é uma lembrança horrível porque no sonho eu estava realmente assustada, muito assustada e a Ruth estava sendo cruel propositalmente, o que significa que eu fui cruel propositalmente com ela e dá um toque de veracidade a tudo o que ela disse.

Inclusive, escrevi uma longa carta para Mimi questionado-a sobre nossa infância.

Estou com medo de descobrir que fomos uns monstros e contribuímos para a Ruth ser depressiva.

Sim, a Ruth tem depressão.

E não, eu não sabia. Aparentemente quase ninguém sabe, minha mãe sabe porque tia Sara conta tudo para ela, tudo. E mesmo tendo a mãe no centro dos seus problemas psicológicos, Ruth conta as coisas para ela, porque não guarda mágoas. Nenhuma.

Pelo menos não da mãe, ou não que alguém saiba.

Isso fez com que eu me sentisse ainda pior, Moabe.

Eu não estou endeusando a Ruth porque ela pode morrer a qualquer momento, apenas tenho percebido que ela não é tão ruim quanto acreditei por toda minha vida. Ela é apenas humana e cometeu erros assim como qualquer outra pessoa. Tirar a venda dos olhos tem sido doloroso e é mais um motivo para ficar virando de um lado para outro na cama, sim tenho tido insônia horríveis, esses dias até pedi para minha mãe orar para mim na tentativa de espantar o que me deixava acordada, funcionou e agora todas as noites fico no cantinho da sala durante a oração dela e do meu pai (eles oram todas as noites a meia noite, sem exceção), ouvindo eles clamar e desejando orar novamente com o mesmo fervor, mas ainda me sinto muito em dívida com Deus para acreditar que ele vá ouvir minha oração assim na primeira vez que eu orar.

O problema é que isso tem me levado a um ciclo vicioso, não oro porque acho que Deus não vai ouvir minha oração, mas só vou saber que Ele está ouvindo se eu orar, mas não sei como começar. Entende? Acrescente a essa equação o tempo que passo encarando o teto pensando em tudo o que eu deveria estar fazendo com minha vida e não estou fazendo e toda a culpa acumulada pelo acidente da Ruth, o resultado? Um medo muito real de enlouquecer.

Eu nunca contei pra ninguém, Moabe, mas quando eu era pequena um homem respeitado aqui de Campos Verde teve um surto psicótico e ameaçou matar a esposa e os filhos, desde então ele está numa clínica psiquiátrica e eu tenho um medo irracional de enlouquecer. Ele era um homem saudável e sem nenhum histórico de loucura na família. Eu sou uma mulher saudável e sem nenhum histórico de loucura patológica na minha família e ainda assim, enlouquecer é um dos meus grandes medos, pois todos estamos suscetíveis a calamidades.

Acho que não estou fazendo sentido.

Laura.


[CONCLUÍDO] CARTAS À MOABE - O Encontro de Uma Mulher Com Seu DeusOnde histórias criam vida. Descubra agora