END GAME - REVISAO

I. Fantasmas

"Não quero pedir perdão pelo que sou ou pelo que carrego.

se é muito duro ou profundo.

se é demasiado ou oceânico.

se é extremo ou infinito.

é que eu nasci de olho aberto.

e precisava estar atento

a qualquer mínima coisa que pudesse me tirar de órbita

talvez eu não tivesse entendido que já estava fora dela."

Textos Crueis Demais Para Serem Lidos Rapidamente.

Sentada no sofá da sala de estar, apoiava o laptop no colo enquanto digitava tudo que passava a mente. Era assim que o maior projeto de minha vida iria a público. Era triste, mas não tinha mais esperança de deixar aquilo tudo melhor. Tomei o último gole do café gelado e o deixei sob a mesinha ao lado; meu tempo corria com o vento, então comecei a cuspir as palavras sob o arquivo. Sem checar acentos e pontuações, salvei, ansiosa demais para revisar. Imprimi as cinquenta páginas mal produzidas do mini romance e coloquei dentro da pasta. Era como se carregasse uma quantidade pesada de esterco dentro da bolsa. Fechei o laptop sentindo a exaustão constante. Eu precisava de uma boa noite de sono. Apressada, corri para fora batendo a porta sem querer.

Eu queria ter o impulso natural de me apresentar como a jovem de dezenove anos que estava atrasada para a aula da faculdade famosa, avistando de longe meu namorado me esperando com um café da Starbucks no estacionamento. Poderia estar com minhas três melhores amigas que mais tarde me enfiariam a faca nas costas e compartilhar a preocupação pela festa do ano na casa de alguém importante. Mas aquilo era superestimado e eu vivia plenamente afortunada de não viver naquele mundo. Nada contra os outros estilos de vida; talvez fosse uma pitada de inveja por não ter conquistado o que ansiava. E, pensando bem, por mais que soubesse a bomba atômica que era, dez por cento de mim tinha consciência do quanto me esforçava para levantar mais um dia da cama e fingir que tudo estava do jeito que eu tinha planejado. 

Aquele poderia ser o ano da minha vida, ou mais um daqueles que passou de raspão, assim como foi três anos atras, quando tudo estava mais que preparado para que eu competisse por uma vaga apertada num concurso de escrita, mas minha mãe teve um problema no estômago e os duzentos dólares da inscrição foram por água abaixo. Estávamos numa fase tão ruim naquela época que, apesar de eles esconderem tudo de mim, encontrei vários envelopes do banco cobrando os empréstimos que meu pai fez pra se livrar das dívidas. Se tratava, com detalhes, de uma competição de escritores amadores de quinze a vinte e dois anos, exclusivo aos residentes e nascidos da quase sempre fria Massachusetts, lar da Harvard, onde morava desde que nasci. Assim como a Instituição, a rede de jornalismo The Boston Globe e outras do meio patrocinavam o evento desde sua criação. Como nos esportes, sempre eram chamados alguns olheiros de lugares importantes como uma espécie de procura aos talentos. Caso vencesse, eu teria todos os gastos cobertos e acompanhamento na publicação de um livro, uma bolsa de cinquenta mil dólares e dois anos de curso na tão queridinha Harvard. Claro... Não seria tão fácil assim. A concorrência este ano chegara a dez mil pessoas. A primeira fase eliminaria mais da metade; só de pensar em não conseguir realizar aquele sonho eu quebrava em pedaços. Não poderia perder mais uma das coisas que queria na vida. Mas ultimamente era como se eu ansiasse por aquilo, pedisse pelo fracasso. Eu não queria mais sair mais da viciante zona de conforto de "tudo bem, você tentou seu melhor", ou "você passou por perdas, normal. Não se preocupe com isso".

Aos doze minutos de atraso, os pingos começaram a cair em minha cabeça. Meu coração estava prestes a escapar pela boca e cambalear pela calcada. Sentia o alerta vermelho por todo meu corpo. O cabelo já estava desgrenhado e minhas mãos pingavam suor. Era minha hora de virar o jogo, mas estava tudo caminhando tão mal... No final das contas, eu sempre me arrependia quando já estava de mãos atadas. Era pedir demais encontrar um Nicholas Sparks de bobeira para avaliar meu trabalho em dois minutos?