II. Vá embora

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O vibrar do celular fez meu corpo pular como se alguém tivesse me dado um tapa nas costas. Olhei para além da caixa registradora, onde os outros funcionários do restaurante italiano trabalhavam em meio ao vapor, sem perceber meu susto aleatório. Ultimamente aquele celular estava mais assombrado que filme de terror. Continuei limpando o vidro das portas e janelas, sabendo que Nancy estava me encarando nas câmeras dentro de seu escritório. Até mesmo em horário de almoço a miserável comia seu sanduiche de salame, vigiando desde as garçonetes que paravam para fofocar até o dishwasher que soava na pior posição do lugar. Aquele emprego de caixa registradora plus "faz tudo" de quatro turnos na semana me dava nos nervos; eu queria tirar aquele avental e boné verde que não combinavam nem com o branco do olho e me auto demitir. E então eu lembrava que não tinha ido para a faculdade e não ia ter um diploma em dois anos e começava a sorrir falso para os clientes que entravam e partiam a todo momento.

Aquela era a outra parte de minha vida que eu estava acostumada. Era para eu ter começado a faculdade, mas não tinha dinheiro para bancar, então resolvi voltar a trabalhar e esquecer a ideia do estudo por enquanto. Minha mãe precisava de ajuda, e com o dinheiro que eu tirava já ajudava nas contas e não ficava pesado para nenhuma das duas. 

Deslizei a mão pelo bolso do jeans preto assim que me tranquei em uma das cabines do banheiro feminino. Completados cinco malditos dias após Thomas ter aparecido na garagem de Aimee, era como se ele tivesse voltado pro limbo em que se escondia antes de aparecer na casa de Aimee.  E a verdade é que ele era um babaca; não se encaixava em minha cabeça como eu tinha me enrolado tanto naquele emaranhado de relacionamento e paixão que consistia em mensagens, ligações e um monte de merdas em que acreditei por tanto tempo. Ele até dizia que era escritor para me conquistar. Ri sozinha, lembrando-me daquela baboseira.

"— O que você quer dizer com isso? - Indaguei - Você não tem tempo pra escrever um livro. 

Ele fez um bico pela câmera embaçada. 

— Eu sei, mas eu queria muito. E depois a gente poderia lançar o livro juntos e faria sucesso com certeza. Depois, a gente ia ficar junto, muito junto. E até um pouco famosos por termos escrito um livro e...  imagina só: rolou um romance! Seria uma ideia. - Disse naturalmente.

— Eu jamais vou ficar com você de verdade. — Brinquei.

— Você não resistiria se eu batesse a porta.

Senti minhas bochechas corarem. Minha expressão automaticamente mudou quando o sorriso brincou em seus lábios carnudos. Ele abaixou a cabeça, como sempre fazia quando ficava tímido. Sempre que ele falava algo perto de ousado, ele se retirava, como se houvesse um limite. Como se ele não pudesse se dar por inteiro. Nunca. 

Seu cabelo quase raspado estava sempre no corte impecável. Sua pele era quase morena, mais bronzeada, sempre assim. Ele era o mesmo desde que nos conhecemos na maldita internet. E era isso que me atraía a ele. Seu jeito doce quando tinha uma baita pinta de quem roubava bancos. Sua mandíbula quadrada combinava com seu rosto convidativo e seus ombros eram largos; eu me derretia toda –mas nunca contava- quando ele aparecia no Skype com uma camiseta toda branca, ou toda preta. Ele era simplesmente lindo demais. Perfeito demais. Um cara daquele que te prendia no olhar, que se encaixava perfeitamente num filme gangster, mas escrevia poemas e fazia parte da comunidade de literatura online de Bridgeport. Eu sabia que alguma coisa estava muito errada, mas não podia evitar a atração cega que me levava ao precipício. 

— Você mora há duas horas e meia daqui, Thomas. Eu sei que é difícil encaixar as rotinas, mas você sempre diz que vem e nunca, de fato... vem. Isso me deixa frustrada. 

END GAME - REVISAOOnde histórias criam vida. Descubra agora