V. Fracassos

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Sondei a caixa registradora, frustrada ao notar que pela quinta vez no dia não tinha troco para o cliente e uma fila de mais oito pessoas impacientes aguardavam com cestas repletas de massas congeladas. Sempre que anunciavam tempestade os americanos (como nativos desesperados) corriam para os mercados e restaurantes para abastecer suas casas. Geralmente eles aumentavam cinquenta por cento do que realmente ia acontecer só por garantia, e era aí que todo mundo endoidava como se fosse o fim do mundo.

Abanei-me com as mãos, lutando contra o calor da cozinha que batia em minhas costas. O antigo restaurante tinha cozinha aberta ao público, então nenhuma porta impedia que o vapor dos molhos invadisse cada canto do estabelecimento.

— Jay, você tem troco na sua caixa registradora?

Quase cedi ao impulso de pegar uma faca e enfiar no peito assim que notei minha voz macia e patética ao falar com o garoto. Acho que aquela era uma situação que todas as garotas conheciam: quando acabavam de passar por um momento vergonhoso com um cara que não tinha intimidade e ficava um clima de incógnita no ar. Era a famosa segunda-feira, dia do arrependimento das atitudes do final de semana.

— De quanto você precisa? Eu vou te dar de pouquinho em pouquinho pra você sempre ter que me pedir mais. — O sorriso maroto brincou em seu rosto ao passo que ele me distribuía notas diferentes.

Sorri, balançando a cabeça em negativa.

— Obrigada e tenha uma ótima noite. — Sorri falso ao careca robusto que virou as costas sem responder.

— Como vai sua mãe? — Ele perguntou ao passo que bipava os produtos do freezer.

— Não a vejo desde sábado, mas acho que ela está bem e sã, até porque eu bebi tudo que restava da garrafa de vodca dela com a Aimee.

— Aimee?

Continuei a atender a pessoa seguinte da fila ao mesmo tempo em que uma ideia atingiu meus pensamentos como um carro desgovernado. Se eu era lenta demais para encontrar meu par, por que não ajudar os outros? No pior dos casos, eu uniria quem eu gostava para virarmos um trio de amizade inquebrável. Ah, pronto. Acho que era o suficiente por aquela noite. O cheiro constante de molho estava fervendo minha cabeça.

— Ela é uma amiga muito especial e inclusive a única que eu tenho. Nós deveríamos marcar alguma coisa qualquer dia desses, você ia gostar dela.

— Se ela for exatamente como você eu vou ter que arrumar outro coração.

— Você sempre tem uma frase pronta na ponta da língua? — Perguntei achando graça.

Jay parecia soltar faíscas de felicidade, mais que o usual. Ele sempre andava na ponta dos pês como se estivesse prestes a voar, com o corpo reto e postura firme; não era qualquer coisa que o derrubava. Jayden era impecável. Eu diria que nem ao golpe mais sujo o faria desistir do que ele queria. Mesmo se eu ficasse parada imaginando todas as possibilidades de fazê-lo ficar triste, nenhuma me fazia concretizar sua imagem cabisbaixa e aquilo parecia ruim. Não sentia inveja por não conseguir ser como ele, mas geralmente quando alguém carregava aquele porte inquebrável significada que já tinha passado por coisas que até o diabo duvidaria.

— Trabalhar com você me deixa assim Chapman. Você que nunca me notou pra perceber como eu sou de verdade.

Senti uma agulha espetando meu rosto.

— Eu vou processar essa espelunca!

O container pequeno de plástico chocou-se com o telefone na bancada a minha frente assim que foi arremessado, fazendo com que a tampa se abrisse, espalhando macarrão com pedaços de frango por todo o balcão e em parte de meu avental. Ergui os olhos lentamente até a voz aguda e irritante que jorrava palavras agressivas, chamando toda a atenção do restaurante para si. A loira de mais ou menos trinta anos, deduzi, parecia estar narrando nada além do silêncio, no tempo que meu cérebro processava aquilo agressivamente. Aquele era o momento que Deus parecia desafiar-me para ceder aos surtos de raiva que eu tinha sem controle nenhum com qualquer situação que pudesse me irritar muito. Desde a última vez que discuti com minha mãe por sua ideia de queimar as coisas de meu pai, eu nunca mais consegui respirar fundo e saber lidar com situações que pediam paciência.

END GAME - REVISAOOnde histórias criam vida. Descubra agora