O jantar

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- Mamãe!! – Os dois falam saltitando em direção a porta que eu acabara de entrar.

- O papai disse que vocês vão sair pra namorar e vai deixar a gente aqui. – Crystal exclama com ciúmes.

- Não foi isso que eu disse, sua monstrinha. – David faz cócegas na filha carinhosamente e a pega no colo. – Eu e a mamãe só vamos passear. E vocês vão ficar com a vovó. Não é divertido??

- Nossa, como vocês estão animados!! – comprimento  meu marido e meus filhos.

- Como foi o trabalho, querida? – diz ao me beijar delicadamente.

- O de sempre, querido. – coloco a bolsa sobre o sofá e tiro a parte de cima do meu uniforme, ficando apenas com uma regata branca que se escondia em baixo.  – Aliás, não pude deixar de notar que você está lindo com essa gravata.

- Você gostou? Foi a mesma que usei no nosso primeiro encontro. – Ajeita a gravata para ficar mais atrativa.

- Não sabia que você ainda a tinha!! – chego mais perto para vê-la e toca-la.

- Que horas você disse para a sua mãe chegar? – olha o relógio em seu pulso como se estivesse ansioso.

- As 21h. – Ele me segue enquanto caminho até o quarto. – Agora é a minha vez. Até daqui a pouco.

Tomo um banho longo e quente. As gotas de água que caem sobre minha pele levam embora minhas imperfeições que já fazem parte de mim a muitos anos. Nem me reconheço mais sem elas. E hoje, finalmente,  serei quem eu costumava ser. Pergunto-me qual será a sensação depois de anos.

Após um relaxamento e o meu breve momento de reflexão, chega a hora de dar um pouco de vida e cor à esse rosto tão deprimido. Ainda de roupão, me desespero ao lembrar que não sei nada sobre maquiagem. Penso em alguma solução, até mesmo desistir desse jantar bobo, mas algo me veio em mente. Encontro-me procurando algum tutorial de maquiagem no YouTube, como essas jovens de hoje em dia fazem. Conclui então que deveria seguir passo a passo de um vídeo que achei.

Depois de seguir as instruções, eu estava pronta. Olhos marcados e cintilantes. Dessa vez não pareciam tristes. Eu estava realmente... diferente. Não sei se posso dizer que estou me sentindo bonita. Talvez eu tenha exagerado. “Espera” exclamei procurando o que faltava. Ainda precisava me vestir. Lembrei da velha gravata de David e resolvi usar, então, o vestido que eu usei no nosso primeiro encontro. Onde estaria guardado?? Não lembro onde eu o deixei da última vez. Abro o guarda roupa e procuro por toda parte. Abro as gavetas, olho nos cabides, e nada!!!

- David?? – grito do quarto.

- Que foi, querida?? – ele responde da sala.

- Você sabe onde está o vestido que usei no nosso primeiro encontro? – continuo a procurar.

- O que??

- Você sabe onde está o VESTIDO que usei no nosso primeiro encontro? – falei mais alto para que dessa vez ele pudesse ouvir.

- Já procurou na caixa de coisas antigas em cima do guarda roupa? – falou no mesmo tom que eu.

“É!!! A caixa!!”. Subi na cama e nas pontas dos pés me estiquei para alcança-la. Sento-me aliviada após conseguir pega-la. E lá estava o meu vestido. E não só ele como várias relíquias que um dia pensei em me livrar. Mas também tinha algo... algo enterrado no meio dessas coisas... algo que me deixou sem rumo.

- Querida, eu... – chega decepcionado na porta como quem já sabia que tinha se entregado, como quem se lembrou do que havia escondido ali.

- David... o que... o que é isso? – falo levantando-a para que enxergasse melhor.

- Querida, eu juro... eu não tomei nem um gole. Você tem que acreditar em mi...

- Mas você ia, David!  Ou comprou para deixar de enfeite?

- Eu confesso. Eu ia tomar. Foi uma recaída. Mas eu não tomei... eu desisti.

- Então por que não se livrou dela ainda??

- Eu ia, mas...

- Vai embora, David... – coloco a garrafa de volta na caixa e fico de pé em sua frente. – arrume um lugar para dormir hoje. As crianças vão ficar com a minha mãe!

- Querida, não faça isso... – Ele tenta se aproximar e eu o evito.

- VAI EMBORA, AGORA!! – grito enquanto caio em lágrimas. – VOCÊ PROMETEU QUE NÃO IA MAIS BEBER, DAVID. VOCÊ ME PROMETEU...

- Me perdoa, querida. Eu sei que errei. Isso não vai se repetir!!! Por favor... – ele se aproxima novamente

- Não encosta em mim!! – me afasto indo até a porta – Já pedi pra você sair.

Foi assim que passei minha noite sozinha. Talvez seria a minha última noite nesse lugar. As crianças agora estavam na casa da minha mãe. David, não fazia ideia de onde estaria, mas com certeza é melhor assim. Nosso encontro não deu certo, assim como o nosso casamento a muito tempo. Não estamos felizes, isso é um crime?
Sinto-me traída pela mentira, quebrou uma promessa. Minha raiva e decepção não passa de preocupação. Não quero voltar aos tempos antigos em que o alcoolismo tomava conta de um homem bom que tinha tanto planos futuros mas estava acabando com a sua vida ali, pra sempre. Mas dessa vez não vou permitir que aconteça dentro da minha casa, com dois filhos lindos que temos. Agora uma escolha teria que ser feita, em ambos os lados. A bebida ou nossa família, desistir ou perdoar.

A notícia da arma teria que ficar para depois, ou talvez nunca seria compartilhada com ele. Mas eu ainda tenho que descobrir de onde viera, não tenho tempo para lamentações, preciso resolver o que há de ser resolvido.
Navego em sites e sites, página a página,  caminho cada linha de cima a baixo mas não encontro informações sequer.

A madrugada já vinha, o frio invadia as brechas das portas e janelas, e logo pego no sono sobre o computador, em uma cadeira dura e gelada.

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⏰ Última atualização: Jul 03, 2019 ⏰

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