Noite Estrelada

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Nunca vi tanto pó na minha vida, por mais incrível que pareça, a casa não tinha praticamente nada quebrado apenas poeira para todo lado. 

Nós começamos a limpar pela sala, onde não tinha muita coisa, apenas uma pequena mesa perto da janela e a lareira, que me sujou toda de preto quando tive a brilhante ideia de botar a cara dentro para olhar melhor. 

Logo após, fomos para a cozinha, onde havia só o fogão a lenha e uma mesa de jantar com apenas duas cadeiras. Já estou vendo que vou precisar gastar com verniz para essa madeira toda, além de comprar uma geladeira e fogão novos.

Depois começamos a faxina no quarto, já estava praticamente todo arrumado já que dormi nele na noite passada. A cama do quarto possuía uma linda cabeceira esculpida, e o guarda roupa enorme e velho, parecia desnecessário considerando as poucas roupas que tenho.. 

Lembro de olhar pela janela do quarto a noite e me arrepiar ao só ver escuridão, a única luz era a das estrelas, consequência de morar sozinha longe da cidade e na floresta.

Assim que terminamos, limpamos o banheiro minúsculo onde havia uma banheira branca, o que achei legal, já que deixava o banheiro parecendo como os dos filmes. 

Agora só ficou faltando o escritório, eu queria limpar ele por último porque ele estava cheio de caixas amontoadas, além de possuir uma estante cheia de livros que eu gostaria de dá uma olhada. Perto da janela havia uma poltrona, onde me sentei para começar a abrir as caixas, enquanto Paloma havia ido comprar nosso almoço.

Na primeira caixa que abri, encontrei um monte de jornal antigo que seria útil para tentar acender o fogão e a lareira. Já na segunda caixa havia vários livros com anotações em uma língua esquisita, e em alguns deles havia pentagramas e outros símbolos nas capas. Deixei as caixas encostadas e comecei a olhar os livros da estante, que daria uma crise de pânico a qualquer pessoa que tenha Rinite. A maioria dos livros eram de ficção, cujo autores, provavelmente, nem osso tinha mais no cemitério. 

- Cheguei! Não tinha mais sanduíche de almôndegas então comprei pizza mesmo. -  Paloma soava com a voz cansada enquanto vinha até o escritório, o cheiro de pizza faz meu estômago roer, nem imaginava que estava com tanta fome até agora. - Iai, você vai vir comer na cozinha? - Ela fala da porta, me encarando e com a mão na cintura, enquanto estou dando uma olhada em um livro de capa branca com detalhes em azul com algum título em inglês, havia bastante desenhos nele de uma garota loira, usando vestido azul e um coelho.

- Sei que deu maior trabalho limpar a cozinha, mas acho que podíamos comer na varanda, pegar um vento fresco. O que acha? - Paloma só responde um "tá" e sai andando para pegar a comida.
Coloco o livro no lugar, apago a luz e vou atrás dela, quando passo pela porta, sinto um ventinho frio pelas minhas costas.. Acho melhor acender um pouco a lareira.

                              ✖✖

Se meu estômago tivesse olhos, ele choraria de tão boa que está essa pizza. A bendita não é só de frango com catupiry como tinha massa mais grossinha, do jeito que eu gostava, às vezes algumas pizzarias doavam as que sobravam para o orfanato, o que era motivo de festa e um dos meus dias favoritos lá. Guto passou um tempo morando com uma família em São Paulo quando pequeno, e por isso detestava quando as freiras colocavam ketchup nas fatias distribuídas, nunca vou entender como não gostar dessa combinação divina.

- Como estão as coisas em casa? - Percebo como chamei o orfanato e estranho. - Guto já desistiu da ideia de virar padre? - Mastigo mais um pedaço da pizza.

- Chegou um bebê novo noite passada, deixaram nos bancos da paróquia. E o Guto está até mais determinado que antes, ele havia me falado que estava procurando alguma igreja por aqui para se inscrever em um Seminário e ficar perto de você, ele sente muito a sua falta. - Paloma estava sentada ao meu lado na escada da varanda, olhando bastante para cima. -  Veja tem alguns pontinhos vermelhos no céu, a vista daqui é tão bonita. 

Agora olhando para cima, vejo o que parecem pequenos rubis em meio a uma infinidade de pontinhos brancos. 

- É verdade, mas não são algum tipo de sinal ruim? Acho que vi isso em algum filme.

- Isso eu não sei, mas aquela é a lua Nova, tinha lido na internet, que quando ela aparece é o momento certo para recomeços. - Ela fala apontando para um risquinho no céu que quase não dá para ver. - Acho que é um sinal de que você vai se sair bem aqui, nessa nova vida. 

- Assim espero. - Respondo, dando uma suspirada ao perceber que ela estava comendo o ultimo pedaço da pizza. - Bom, já está tarde. Você vai dormir aqui? Podemos dividir a cama. 

- Sim, sim. Só vou pegar algumas coisas no carro. - Ela me responde, finalmente olhando para mim e depois seguindo em direção ao porta malas. Fico de pé e a deixo pegar suas coisas.

Enquanto caminho até o quarto, para ir ao banheiro tomar um banho antes de dormir, escuto um estrondo que parecia vim do escritório. A luz estava acesa, o que me pareceu estranho pois eu não havia desligado? O livro de capa azul que eu havia visto mais cedo estava no chão. 

- O que você tá fazendo aí? - Ouço Paloma falar enquanto vem atrás de mim.

- Eu ouvi um barulho, achei que fosse algo importante, mas foi só um livro que caiu. Eu não devo ter guardado direito.

Me abaixo para pegar o livro e começo a sentir uma sensação angustiante no estômago quando, de repente, meu corpo todo arrepia.

- Dizem que o arrepio acontece quando uma alma passa em você. - Olho para trás e vejo que Paloma está na porta me observando.

- Nem um pouco supersticiosa você, hein?

Me levanto e quando vou colocar de volta o livro, meus olhos repararam em alguma coisa colorida por trás do que parecia ser, um buraco na estante.

- Acho que tem alguma coisa aqui. - Falo enquanto tiro mais livros do lugar para dá uma olhada melhor. 

- O que é? - Diz ela, que já estava ficando com algumas olheiras de sono.
- Não sei. Me ajude a afastar essa coisa do lugar.

Paloma e eu empurramos a estante, quando damos de cara com a figura retorcida de uma mulher, cheia de teias, pendurada na parede.

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