Capítulo 23

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Beatriz

O advogado da Dona Maria, que eu nem sabia que existia, ligou-me para dizer que a dona Maria não queria funeral, que ela queria ser cremada e que queria que as suas cinzas fazem atiradas ao mar. Por essa razão eu vou dar ordem para ela ser cremada. O advogado também me ligou para dizer que amanhã ao final da tarde ia ser feita a leitura do testamento e que eu tinha que estar presente. Como eu era a única pessoa que tinha de lá estar presente eu sugeri que a leitura fosse feita aqui em casa. No dia seguinte resolvi não ir à faculdade pois tenho coisas para fazer e visto que vou agora fazer algo que me vai deixar muito emotiva, achei que não seria bom ir para a faculdade assim. Avisei a Carolina que ia faltar, disse-lhe o que ia fazer, ela ainda perguntou se eu queria companhia mas eu prefiro fazer isto sozinha, para além desse facto a dona Maria avisou o advogado que queria que eu fosse a pessoa que tratasse disto. Aqui estou com a carregar as cinzas da dona Maria. Decidi atirá-las num sítio que a dona Maria gostava muito, uma arriba onde ela me trouxe uma vez. Antes de abrir a urna para atirar as cinzas ao mar resolvo dizer umas palavras em voz alta, até porque mais ninguém se encontra ali e mesmo que estivesse ali alguém eu não queria saber. 

Dona Maria, tu fostes e és a pessoa mais importante da minha vida. Eu não tinha ninguém, eu fui abandonada e tu me acolheste como se eu fosse um membro da tua família. Eu nunca vou ter palavras suficientes para agradecer o que tu fizeste por mim. Aquele dia em que me fostes buscar ao orfanato foi um dos dias mais felizes da minha vida. Obrigada por cada momento, obrigada por teres tomado tão bem conta de mim. E desculpa, desculpa por nunca te ter chamado de mãe ou avó, visto que tinhas mais idade para ser minha avó. Eu realmente me arrependo disso mas agora digo com todo o orgulho, obrigada avó, obrigada mãe porque tu te encaixaste perfeitamente nesse papel. Eu amo-te e espero que onde quer que estejas, estejas em paz porque tu mereces. Eu fico muito feliz por ter feito parte da tua vida. Amo-te hoje e sempre. 

Ao dizer estas palavras foi impossível não começar a chorar. Depois de dizê-las abro a urna e atiro as cinzas da dona Maria ao mar. Quando termino resolvo ficar ali, sento-me e fico ali apenas a absorver o mar e a pensar na vida. Passado um tempo resolvo ir embora e ir para casa. O dia vai passando até que chega a hora da leitura do testamento. O advogado toca à campainha, eu abro e depois sentamo-nos no sofá da sala. O advogado começa a ler o testamento que diz:

Eu Maria, em perfeitas condições psicológicas, resolvo deixar a minha casa e todo o meu património, o que inclui a minha casa no campo, todas os meus objetos pessoais e uma conta de poupanças de uma vida inteira, à minha filha adotiva Beatriz.  

O advogado diz:

-E pronto é isto. 

-Este deve ser um dos testamentos mais diretos e curtos que o senhor deve ter lido na vida. A dona Maria falou aí de uma casa no campo mas eu nunca ouvi falar nessa casa. O senhor sabe onde fica certo?

-Não se preocupe que eu acredito que a dona Maria lhe explique tudo numa carta que ela me mandou entregar-lhe. Aqui tem a carta e tem também aqui as chaves da casa no campo. Em relação ao dinheiro ele será transferido para a sua conta brevemente. Eu apenas preciso da sua assinatura aqui e fica tudo tratado. 

Eu leio o papel que apenas diz que eu aceito a herança que me foi deixada e depois disso o advogado vai-se embora. Eu volto a sentar-me no sofá e decido abrir a carta. Assim que abro vejo que é uma carta relativamente grande. Começo a ler a carta.

Minha querida Beatriz, minha querida filha adotiva, escrevo esta carta para explicar-te tudo o que aconteceu e o significado que tu tens na minha vida. Neste momento tu deves estar a perguntar o porquê de eu não ter-te contado sobre a minha doença e à quanto tempo eu sei que estou doente. Eu descobri no início do verão deste ano que estava doente e os médicos deram-me meses de vida e disseram que já não tinha cura aquilo que eu tinha. Eu não te contei porque era o teu primeiro ano de faculdade, porque já não tinha cura, por isso eu não queria preocupar-te. Se estás a ler esta carta é porque não descobriste que eu estava doente, por isso não tentes procuras pelos sinais da minha doença e não fiques chateada contigo própria por não teres percebido porque eu é que me esforcei ao máximo para que tu não soubesses. Agora eu não quero falar de coisas tristes por isso esquece a minha doença. Vamos falar de coisas boas, o significado que tu tens na minha vida. Como tu sabes eu não tenho mais família, como tu sabes eu perdi a minha filha e a minha neta num incêndio há anos atrás e isso abalou-me muito. Eu fiquei muito deprimida mas depois passado um tempo decidi fazer voluntariado num orfanato. Eu gostei de todas as crianças do orfanato, mas tu fostes especial desde a primeira vez que te vi. Eu não ia com intenções de adotar ninguém, eu ia apenas fazer voluntariado mas quando te vi eu senti uma necessidade enorme de cuidar de ti. Ainda me lembro da primeira vez que te vi, da primeira que falamos, de tudo e lembro-me sobretudo da tua felicidade no dia em que saíste do orfanato para viver comigo. Tu voltaste a trazer alegria à minha vida. Criar-te foi um privilégio porque não há dúvida que sem ti a minha vida não era a mesma coisa. Eu amo-te muito minha querida e amei cada momento que tive ao teu lado. Tenho muito orgulho na pessoa que te tornaste e tenho a certeza que tu vais ser uma ótima jornalista tal como tu sempre sonhaste. Se na caixa que vem com esta carta não vem a indicação do colar de dezoito anos, então é porque eu felizmente consegui dar-te o colar. Nunca te esqueças da frase que ele diz, segue sempre o teu coração, eu segui o meu há anos atrás quando ele me disse para adotar-te e sem dúvida foi uma decisão muito boa que me fez feliz por isso não te esqueças disto. Deves estar também a perguntar-te sobre a casa de campo, eu nunca te levei lá porque não consegui lá voltar depois da morte da minha filha e da minha neta, mas a casa está em bom estado porque eu mandei sempre alguém ver o estado da casa. Eu nunca consegui desfazer-me desta casa e tenho a certeza que tu vais amá-la. Fica no meio do nada, literalmente, mas é um sítio muito bonito. Tu pensas que tu é que tens que me agradecer por eu ter-te salvo mas é precisamente o contrário que tem de acontecer. Obrigado por tudo porque na realidade tu é que salvas-te a minha vida, voltaste a dar um propósito a ela. Eu amo-te muito hoje e sempre. Desejo-te o melhor que a vida pode dar. Sê feliz, 

                                                                                                                               Com carinho da tua mãe/avó Maria

Ler esta carta só me fez chorar mas ao mesmo tempo deixou-me feliz porque eu fui importante na vida de alguém, eu fui importante na vida da dona Maria e isso significa muito para mim. E fico ali no sofá a reler a carta algumas vezes...



Bastou um olhar e tudo mudou (versão portuguesa)Onde histórias criam vida. Descubra agora